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"Senhor das moscas": entre a civilização e a barbárie

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  Por Adelson Vidal Alves  Os clássicos da literatura são capazes de oferecer leituras diversas de seu conteúdo, e apresentar lições e reflexões para as  variadas questões da vida em sociedade. "Senhor das Moscas", de William Golding, é uma destas grandes obras literárias, perfeita para se abrir uma grande discussão sobre a natureza humana e as relações de afeto e poder que se estabelecem entre os seres humanos diante das adversidades. O livro conta a história de um grupo de garotos que sobrevive a queda de um avião em uma ilha remota, provavelmente durante a Segunda guerra mundial. Sem um adulto para orientá-los, eles precisam buscar uma forma de se manterem vivos e serem resgatados. Ralph, personagem principal, é eleito para ser o líder dos meninos, e estabelece regras de convívio e estratégias de sobrevivência. Uma concha determina quem pode ou não falar nas inúmeras reuniões que fazem. Ralph acredita que estabelecendo critérios para as decisões seria possível conservar a

Sou agnóstico, mas defendo o cristianismo por razões civilizatórias

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  Por Adelson Vidal Alves  Sou agnóstico. Ou seja, não creio na existência de um deus, mas não posso provar sua inexistência, assim como não se pode provar sua existência. O agnóstico, antes de tudo, reconhece nossa incapacidade de resolver questões metafísicas.  Mas há razões que me fazem defender o cristianismo e seu legado. Mesmo não crendo que deus exista como fenômeno literal na natureza, sua existência social se faz presente na influência que as religiões exercem sobre as sociedades. De qual deus estamos falando, então, é uma questão importante na hora de análises sociológicas que consideram valores como liberdade, igualdade e direitos humanos.  O premiado historiador britânico Tom Holland, autor de "Domínio" entre outras grandes obras, defende que o cristianismo ajudou a moldar as instituições inclusivas do mundo ocidental. Ele lembra que a ideia de que todos são filhos de Deus e portadores de igualdade não está presente na antiguidade, e a perspectiva de mobilidade so

A esquerda tem motivos para odiar o darwinismo

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Por Adelson Vidal Alves  Em artigo publicado hoje no Jornal Folha de São Paulo, o filósofo Luiz Felipe Pondé analisa as relações entre os progressistas e o darwinismo, tema que sempre me despertou curiosidade.  Em 1978, o biólogo Edward O. Wilson recebeu um jarro de água gelada na cabeça enquanto palestrava.  Wilson é o criador do termo sociobiologia, campo de pesquisa que defende papel determinante dos  genes no comportamento humano. O consagrado cientista diz ainda que o egoísmo é marca fundamental de nossa natureza. Algo terrível para quem imagina em sua utopia uma sociedade onde o coletivo se sobreponha ao individual, e a generosidade predomine nas relações sociais.  Richard Dawkins, um dos maiores darwinistas vivos, compartilha a tese de Wilson. Em seu livro de nome sugestivo, "O gene egoísta", Dawkins escreve ""O argumento deste livro é que nós, e todos os outros animais, somos máquinas criadas pelos nossos genes (...) Sustentarei a ideia de que uma qualidade

Uma escola de elite

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  Por Adelson Vidal Alves  Mudar de opinião é próprio de quem não se guia por dogmas, e mantém o espírito aberto a novos fatos ou mesmo pronto para percepções que se modificam com a experiência. Eu mudei minha visão sobre muita coisa, um giro da esquerda para a direita. Mais precisamente da utopia para a realidade.  Sobre a educação, fui um defensor aberto da experiência libertária da Escola da Ponte, que ainda me fascina, mas que só pode funcionar em determinados ambientes, com determinados alunos. Não acho que gestores e professores tenham poderes transformadores, não tanto como pensa a utopia freirista. Quando o educador adentra um espaço de famílias estáveis  e de tranquilidade social mínima ele pode abusar das ideias e dos projetos. Quando o que encontra é pura anomia social (conceito do sociólogo francês Émile Durkheim) só se pode pensar na redução de danos. Em resumo, a educação não tem poder de construir espaços igualitários, não é capaz de ajudar todo mundo e nem de revolucion

A democracia e o homem-massa

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Por Adelson Vidal Alves  "Há um fato que, para o bem ou para mal, é o mais importante da vida pública européia no momento presente. Esse fato é o advento das massas ao pleno poderio social". Assim o espanhol José Ortega Y Gasset inaugura sua obra prima "A rebelião das massas", bem ao estilo do espectro de Marx e Engels no Manifesto Comunista. Gasset analisa o "Homem-massa", que não é uma classe social, mas sim o homem médio, medíocre e vulgar que adentra na esfera do poder público impondo sua mediocridade, querendo participar da vida pública sem ter tais condições para isso. Ele se satisfaz pelo que sabe, acreditando ter um conhecimento absoluto e inato a si, enquanto o "homem excelente" sempre busca o saber, insatisfeiro com o que sabe.  Na história europeia, diz Gasset "o vulgo nunca acreditou que tivesse "ideias" sobre as coisas", "jamais se imaginou detentor de opiniões teóricas sobre política e literatura", &quo

É possivel julgar a arte e a cultura objetivamente ou é tudo questão de gosto individual?

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Por Adelson Vidal Alves  Há entre o senso comum a ideia de que as culturas devem ser tratadas sem hierarquias, que tudo é arte, se assim o "artista" quer que seja. Que canções, peças de teatro e livros devem ser avaliados pelo julgamento subjetivo, ou seja, pelo "gosto" dos indivíduos. Mas será mesmo que não é possível um juízo minimamente objetivo sobre a arte? Se existe, quais os critérios? O filósofo britânico Roger Scruton é um defensor ferrenho da civilização e da cultura ocidental. Em seu livro "A cultura importa" ele defende a Alta cultura e faz críticas ao relativismo cultural. Pela sua visão, há caminhos para se fazer uma crítica da arte. Dois pontos, pelo menos, são destacados. Scruton desqualifca a "arte" que é marcada pela obscenidade. Não só por conta dos seus resultados degenerativos na moral, mas porque esta "arte" tem intrinsecamente algo a ser reprovado (me lembrei das "músicas" de funk onde se destacam o uso

O Estado babá segue infantilizando e sufocando liberdades

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Por Adelson Vidal Alves  Acabo de ler o best-seller "A geração ansiosa" do psicólogo Jonathan Haidt. Sobre o livro em si fiz resenha neste blog. Para este artigo, me interessa apenas um dos temas tratados na obra: o brincar livre. Haidt argumenta que brincar livre faz bem para a saúde mental das crianças. Eu diria mais. A liberdade de brincar faz bem para a saúde social de uma sociedade.  Em seu divertido livro "O Estado babá", David Harsanyl cita os "déspotas das pracinhas", burocratas que simplesmente proibiram a brincadeira. No Texas, balanços foram retirados de pelo menos 40 escolas infantis, sob a alegação de que eram inseguros para as crianças. Em Portland, também nos Estados Unidos, o mesmo aconteceu com escorregadores e carrosséis. A diversão e a liberdade que formam adultos autônomos e responsáveis foram proibidas em nome de uma superproteção infantilizadora que só pode formar gente medrosa e patologicamente cheia de fobias. Os fumantes talvez sej