A democracia e o homem-massa


Por Adelson Vidal Alves 

"Há um fato que, para o bem ou para mal, é o mais importante da vida pública européia no momento presente. Esse fato é o advento das massas ao pleno poderio social". Assim o espanhol José Ortega Y Gasset inaugura sua obra prima "A rebelião das massas", bem ao estilo do espectro de Marx e Engels no Manifesto Comunista.

Gasset analisa o "Homem-massa", que não é uma classe social, mas sim o homem médio, medíocre e vulgar que adentra na esfera do poder público impondo sua mediocridade, querendo participar da vida pública sem ter tais condições para isso. Ele se satisfaz pelo que sabe, acreditando ter um conhecimento absoluto e inato a si, enquanto o "homem excelente" sempre busca o saber, insatisfeiro com o que sabe. 


Na história europeia, diz Gasset "o vulgo nunca acreditou que tivesse "ideias" sobre as coisas", "jamais se imaginou detentor de opiniões teóricas sobre política e literatura", "o mesmo na arte e nas ordens da vida pública". Hoje, o cidadão ignorante, estúpido e preguiçoso acha-se na possibilidade de influenciar decisões complexas nas quais está distante da compreensão. 

Com a democracia, nasceu a ideia de que o povo na sua íntegra poderia participar do exercício do poder. Em Atenas, a participação popular era limitada, mas com o tempo as massas reivindicaram o direito de votar, como fez os cartistas e as sufragistas femininas. O campo das escolhas cresceu, saindo das elites aristocráticas e ganhando todo o espaço popular. Cada cidadão virava um governante.

De Platão e Mill até Brennan, sempre houve quem questionasse a capacidade de todos participarem de decisões difíceis que exigem conhecimento e preparo. Gente ignorante com o poder nas mãos é um perigo para todos, e assim doses de desigualdade no exercício do poder preserva os ganhos da democracia, sobretudo a limitação do próprio poder e a capacidade de resolvermos nossas divergências sem derramar sangue.

A democracia como participação de todos é uma ótima proposta, mas é perigosa na medida em que o exercício da cidadania política exige mínimo preparo moral e intelectual que é sempre restrito a uma elite. Nas democracias liberais a representação reduz o prejuízo que causa uma democracia direta, mas ainda sim expõe o parlamento a escolha de uma maioria desqualificada. Como disse Gasset "O império que a vulgaridade intelectual exerce sobre a vida pública hoje talvez seja o fator mais novo da situação presente, menos parecido com qualquer outro do passado".

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