E se proibíssemos os ignorantes de votar?

 

Por Adelson Vidal Alves 

Imagine que você esteja em um avião quando o piloto sofre um infarto. Para substituir a direção da nave a que método você recorre? Faz uma eleição para eleger o novo piloto ou procura alguém entre os passageiros que seja habilitado para a tarefa? Imagino que todos nós optaremos pela segunda opção. Então agora pense que esse avião seja o Estado. Não seria melhor colocarmos os especialistas para nos governar ao invés de fazermos eleições?

Este tipo de raciocínio "antidemocrático" vem pelo menos dos tempos de Platão. O filósofo grego, autor de "A República" defendia que nem todo mundo estava à altura do ato de governar. Por isso, propôs em seus escritos uma forma de governo aristocrática, onde os sábios filósofos assumiriam o poder. 

A versão mais recente desta tese platônica vem do cientista político Jason Brennan, autor de "Contra a democracia". Para Brennan "A maioria dos eleitores está sistematicamente desinformada sobre fatos básicos relevantes para a eleição". Ele conclui, então, que "[O] declínio da participação política é um bom começo" na construção de resultados melhores da governança. A maior parte da população, ignorante em temas do Estado, deveria, segundo Brennan, se ocupar de atividades como tapeçaria e futebol. Resumindo: deixem a política para os entendidos e vão viver suas vidas.

Mesmo teóricos do liberalismo clássico indagaram sobre o sistema democrático. Pensadores do porte de John Dewey e Stuart Mill questionaram a capacidade das massas na participação política. O primeiro duvidou que a maioria das pessoas pudesse chegar a um nível de conhecimento cívico necessário para o complexo exercício do poder e do autogoverno, já o segundo propôs literalmente que os votos tivessem pesos diferentes, com os intelectuais e os mais educados tendo força maior na hora de eleger os governantes.

Alexis de Tocqueville, autor do formidável "Da Democracia na América", temia que a democracia promovesse a "Tirania da maioria". Gaetano Mosca formulou a "Teoria das elites" onde apenas uma minoria deteria a capacidade de governar, e o grande Immanuel Kant reduziu a participação política aos que tivessem independência de juízo, excluindo as mulheres (que dependem dos maridos) e os trabalhadores (que dependem dos patrões).

Outros teóricos entenderam ser possível referendar políticas públicas com dados objetivos da ciência. Elton Mayo, cientista social do século XX, dizia que "em todo mundo, precisamos de uma elite administrativa". Esta elite, e não uma massa de gente ignorante e irracional, tomaria as decisões baseadas nas orientações especializadas dos cientistas. As políticas públicas qualificadas cientificamente e aplicadas corretamente por uma burocracia iluminada seriam impostas às grandes massas. 

Ideias como as já citadas e também exemplificadas nas teses de Bryan Caplan, no qual só economistas libertários e racionais tomariam as melhores decisões para a sociedade, podem ser consideradas elitistas e preconceituosas, mas não deixam de ter razão. É notável que as grandes massas se movem em sua maioria por decisões irracionais e sem deter conhecimento necessário quanto aos complexos problemas de uma nação. Por isso vemos constantemente pessoas e elites inescrupulosas assumindo e se mantendo no poder com aval democrático. 

Mas como ensinou Karl Popper, o grande mérito da democracia é sua capacidade de resolver conflitos sem derramar sangue. Nas democracias liberais, ainda, todo o poder constituído é limitado, evitando que escolhas erradas sejam absolutizadas na forma de governos sem controle. Os EUA foram além, com os pais fundadores elaborando estruturas que limitavam a decisão direta das maiorias. 

No mundo atual vemos um retrocesso nos regimes democráticos, diretamente questionados pelas massas e por ideologias que defendem modelos políticos autocraticos, exemplificados em países como a China e a Rússia. O comunismo e o nazismo foram algumas das doutrinas que desqualifcaram a democracia, e contaram na história com liberais que igualmente limitavam a importância da soberania popular. A democracia nunca foi uma unanimidade.

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