Homem e mulher são conceitos puramente biológicos?

 


Por Adelson Vidal Alves 

"Recentemente tenho visto publicações e posts em redes sociais que utilizam a expressão "pessoas que menstruam" para se referir a mulheres e homens trans. Também já vi coisas como "pessoa gestante", "pessoas com mamas" com o mesmo objetivo". Confesso que me senti profundamente incomodada, tanto como mulher quanto como teórica feminista", escreveu a filósofa Djamila Ribeiro, em polêmico artigo na Folha de São Paulo em Dezembro de 2022. Djamila reconheceu a importância dos termos como forma de inclusão de homens trans, mas se incomodou com a redução biológica dada à mulher, esta que teria sentido e dimensões sociais. Nem sua reputação de pensadora identitária lhe virou de acusações de transfobia. 

Bruna Benevides, da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), criticou a autora: "A transfobia não é só o tapa na cara, não é só o tiro. [O texto de Djamila Ribeiro] é, sim, uma expressão explícita de transfobia". Já o Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e Presidente da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas teorizou: "Se a pessoa se sente homem, ou se sente mulher, ou combinações dos dois, independente do seu “sexo biológico”, nós temos que aprender a respeitar e o Estado deve atender às suas necessidades específicas – todas as pessoas devem ser incluídas". 

Em 2015, a famosa frase de Simone de Beauvoir "Não se nasce mulher, torna-se mulher" foi parar no ENEM, causando terror nos setores conservadores. Para os críticos, o governo estaria querendo oferecer o gênero em um cardápio, indicando aos alunos que o feminino e o masculino são objetos de escolha individual. Beauvoir, na verdade, apenas indica que o "ser mulher" não obedece simplesmente um definido trajeto biológico. A ideia de mulher é uma construção social.

Grupos reacionários e ultraconservadores inventaram e divulgam a falsa ideia de "ideologia de gênero". A suposta iniciativa de educadores e governos em ensinar crianças a escolherem seu gênero. Liderados por celebridades acadêmicas como o psicólogo canadense Jordan Peterson, dizem que o gênero é fruto de definições biológicas. Ser contra tal definição seria desrespeitar o conhecimento científico consolidado. 

O fato é que pessoas podem nascer com traços anatômicos masculinos e com genitália masculina e se sentirem do gênero feminino. Não há um ajuste natural entre corpo e identidade de gênero como muitos de nós imaginávamos. Durante muito tempo pessoas assim foram tratadas como deformações da natureza, carecendo de tratamentos médicos. Isso não está mais presente nas sociedades civilizadas.

Sexo biológico não é a mesma coisa que gênero, que não é a mesma coisa que orientação sexual. Um está ligado ao nascimento, o outro é uma identidade de comportamento e de autopercepção e o último uma definição de afeto. Os três momentos podem ser percebidos de variadas formas. 

Entender isso não é fácil, de modo que é normal o susto de muitas pessoas, principalmente as mais velhas. Também não é simples resolvermos as questões que envolvem o uso do banheiro ou a participação de mulheres trans em competições femininas. Há diferenças no corpo do homem que dão vantagem de força sobre o corpo das mulheres. Como resolver?

São muitas as questões. Mas poderíamos começar reconhecendo que o velho mundo judaico-cristão hétero e cis não existe mais, aliás, nunca existiu, foi apenas inventado. Procurar atender as pessoas trans em suas demandas, diminuindo estereótipos e reduzindo seus sofrimentos é um dever do Estado e da sociedade. Está claro que ser homem e ser mulher tem suas múltiplas formas de ser.

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