Plano Real: FHC, o estadista. Lula, o cínico

Por Adelson Vidal Alves

Ainda na ditadura militar o Brasil entrou em crise econômica, depois de muito exaltar o “milagre” do regime. Paralelo aos problemas financeiros, corria o processo pactuado de transição democrática, que de forma indireta interrompeu o ciclo de presidentes militares elegendo um político moderado com um ex-presidente da ARENA, partido da ditadura, na vice-presidência. Por uma dessas fatalidades da vida, Tancredo Neves não chegou a sequer tomar posse, vindo Sarney, ex-apoiador do regime autoritário, conduzir o primeiro governo civil da redemocratização.              

Diante do grave quadro econômico, a nova administração apresentou o Plano Cruzado, em 1986, onde foram congelados preços, tarifas e salários. A inflação recuou, mas por pouco tempo, já que com o aumento do consumo sem medidas estruturais austeras, os preços voltaram a subir.  A partir das eleições diretas, o Brasil escolheu Fernando Collor de Mello para substituir Sarney, onde foram aplicadas medidas de abertura comercial. Collor renunciou dentro de um processo de impeachment. 

Assume o mineiro Itamar Franco, mais do que nunca com a missão de vencer a inflação. Depois de tentar vários nomes no Ministério da Fazenda, resolveu recorrer ao prestigiado sociólogo Fernando Henrique Cardoso, o FHC. Este montou uma equipe respeitável de economistas como Gustavo Franco, Edmar Bacha e Persio Arida. Sob a liderança de FHC, o Brasil passou a ter, em Julho de 1994, uma nova moeda, o Real, que completa agora 30 anos. A estabilidade econômica que resulta do Plano Real elege FHC presidente da República já no primeiro turno, vencendo o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. 

A importância de FHC no Real foi testemunhada pelos economistas que elaboraram o Plano. Segundo Edmar Bacha, “a liderança dele [FHC] foi essencial” e para Gustavo Franco “O Plano Real tem importância central no governo FHC e isso ninguém vai tirar dele, nunca”. 

Depois de uma polêmica PEC da reeleição ser aprovada, FHC conseguiu ser reeleito, e nos seus 8 anos de mandato trouxe conquistas importantíssimas para o Brasil. O presidente enfrentou três crises econômicas internacionais, a chamada crise do México, em 1995, a crise dos asiáticos, em 1997 e a crise da Rússia em 1998. Ainda sim, avançou em políticas sociais e reformas modernizantes. Criou o Bolsa Escola, os genéricos, universalizou o acesso ao ensino fundamental, quebrou monopólios e realizou privatizações  que melhoraram a oferta de serviços, como no caso das teles. Se hoje quase todos os brasileiros tem um celular à disposição é porque o serviço de comunicação já não está mais nas mãos do Estado. FHC, ainda, criou o Ministério da Defesa, subordinando militares ao poder civil. 

O papel de FHC no sucesso econômico do Plano Real também se percebe na capacidade de articulação política do então presidente. Ele venceu a ala mais radical do seu partido e conseguiu um pacto político de governança com a direita liberal do PFL. Sem esta aliança, não só o Real, mas outras reformas econômicas seriam adiadas, impedindo o triunfo sobre a inflação e o atraso.

A era FHC reduziu o poder do Estado no papel de indutor do desenvolvimento, mas o governo jamais se inscreveu integralmente na cartilha neoliberal. Os gastos sociais e os tributos aumentaram, e FHC estava mais próximo do que ficou conhecido como “Terceira Via”, onde o presidente se viu acompanhado de Bil Clinton e Tony Blair. Se as taxas de crescimento no período foram baixas, isso se explica pelo cenário internacional e algumas medidas que pararam no Congresso. 

Diferente foi a postura de Lula e o PT frente ao novo Plano. Os petistas acompanharam um diagnóstico arcaico e dogmático da economista terceiromundista Maria Conceição Tavares, que faleceu recentemente. Os parlamentares votaram contra o Plano econômico, e o combateram enquanto puderam. Lula o tratou como uma "fantasia". Derrotado duas vezes por FHC, Lula foi eleito presidente da República, taxando a herança econômica de FHC como "herança maldita". O Brasil da hiperinflação não existia mais, e reformas de Estado incluíram o Brasil como protagonista na concorrência internacional. O PT no poder demonizou tais medidas, ao passo em que repetia a mesma fórmula de sucesso. Lula nomeou um tucano para o BC e um petista economicamente ortodoxo para a Fazenda. O tripé macroeconômico seguiu e funcionou, com Lula jogando a culpa de outros fracassos na tal "herança maldita". Ficou evidente que FHC foi um estadista, e Lula um cínico.

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