Deveria eu amar de novo?

Por Adelson Vidal Alves

"O progresso destrói o amor", dizia Nelson Rodrigues. De fato, o mundo iluminista, capitalista e racional nada tem a ver com o apego aos sentimentos que vigorova no mundo medieval, de onde vieram as primeiras formas literárias do amor romântico. Já eu, sou um iluminista irremediável, agarrado à ciência e à razão como norteadoras das minhas decisões individuais. 

Assim, meio que de forma espontânea, tomei a decisão racionalista de resistir à "doença da alma" (termo como os mais antigos tratavam o amor). Optei por pensar antes de sentir. 

O amor romântico é próprio da mentalidade simples e rural da Idade Média. O mundo burguês é racional demais, apegado ao dinheiro. O romantismo que impera entre nós só pode obedecer à lógica do lucro. Quem lucra com o amor é a rede Globo com a novela das nove, a indústria do cinema e os comerciantes no dia dos namorados. A consciência obedece às estruturas, disse um filósofo barbudo do século XIX. 

Outro filósofo, este mais próximo de nós, chamado Pascal Brunckner, analisou em livro o fracasso dos casamentos por amor. No passado, o matrimônio se baseava em acordos duradouros, nos nosso tempos há a ilusão quanto à perpétua união por amor. Quando um casal se apaixona e resolve juntar as escovas de dente, assim fazem movidos pela chama ardente do momento. Com o tempo, o frágil laço do amor em chamas que os uni se desfaz. Ai então: Haja divórcio!

Zigmunt Bauman, o sociólogo, compreendeu a pós-modernidade como tempos líquidos, onde tudo se desfaz com rapidez. Vale para o celular que precisa ser trocado constantemente, vale também para os relacionamentos.

Há alternativas para o amor romântico convencional. Filósofos, escritores e ativistas por novas formas de relacionamento e familia se levantam contra a monogamia, que seria tão somente superestrutura de uma determinada ordem social. Então buscam experiências múltiplas de amor, longe da utopia monogâmica do "você é meu para sempre e eu sou seu para sempre". Na prática, estão propondo que se abram os relacionamentos que já são abertos, mas que até então viviam nos porões dos amantes em adultério. Melhor partir para o poliamor e evitar estresse. 

Arthur de Shopenhauer, filósofo alemão, tinha uma visão fria sobre o amor. Nosso corpo e nosso cérebro desejam alguém tão somente porque nossa natureza pretende uma prole saudável. Nada de alma gêmea, apenas um truque da nossa biologia. 

Seja lá como for, impossível evitar o tema do amor. Ele perpassa nossa vivência, e há quem diga que os críticos do romantismo são só uns recalcados. O filósofo Luiz Felipe Pondé, recuperando Nietzsche, diz que todo racionalista traz dentro de si um ressentimento por conta de sua alma seca. "Quem é incapaz de amar inveja quem ama", diz Pondé.

De minha parte, como bom racionalista, evito ceder aos sentimentos, de modo a evitar as terríveis dores dos apaixonados rejeitados. Como não tenho a garantia de que serei amado como irei amar, melhor evitar a dor da perda (sofremos menos quando não temos do que quando temos e perdemos, diria um estóico). O problema é que a vida sem aventuras e riscos é sem graça. Minha opção pela razão me protege, mas também esvazia minha existência. Talvez seja hora de voltar a me iludir e me arriscar no jogo do sofrimento.

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