China copiou o capitalismo ocidental e colheu frutos econômicos

Por Adelson Vidal Alves 

Para alguns economistas a China já superou os EUA no que toca à economia. A  força do crescimento econômico chinês nas últimas décadas impressiona e redesenha a geopolítica mundial. Mas como uma nação agrária que sofreu com milhões de mortes debaixo do comunismo maoista se transformou em uma potência? Há algum conceito capaz de dar conta do particularíssimo caso chinês? 

A revolução socialista chinesa destoou teoricamente do marxismo. Enquanto neste é o operariado fabril o protagonista revolucionário, no pensamento de Mao Tsé-Tung seriam os camponeses os principais agentes das grandes transformações do país. No poder, o comunismo chinês se orientou politicamente por ditaduras, e economicamente se prendeu à planificação da economia.

Em 1957, Mao lançou o "Grande Salto Adiante", um ambicioso planejamento que projetou a economia chinesa superando a Europa em 15 anos. O projeto implementado pelo Estado chinês era impiedoso com o campo, se apropriando até mesmo dos animais dos trabalhadores. Eles deveriam entregar tudo que produziam e viver em dormitórios. O draconiano plano maoista rendeu dezenas de milhões de pessoas mortas, fome generalizada e tortura. O desastre do Grande Salto é documentado em números e fatos assustadores, como canibalismo, reunidos pelo renomado economista Rainer Zitelmann em seu mais recente livro. 

Em maio de 1966, Mao tentou se reabilitar do fracasso do Grande Salto, inaugurando a "Revolução cultural". O movimento tinha como principal objetivo eliminar a oposição ao regime, combatendo revisionismos e práticas tidas como burguesas. Os que mais se engajaram nesta empreitada foram os estudantes, que atacaram nas ruas qualquer sinal de adesão às práticas ocidentais e também ao intelectualismo. Foram criados campos de concentração de trabalho reforçado, segundo o governo, uma forma de regenerar os que trairam o espírito revolucionário chinês.

O fracasso absoluto do perverso modelo maoista de Estado e sociedade redirecionou as ambições do país. As coisas começaram a mudar. 

A China de 1994 a 2022 teve uma alta média anual de 8,7% no PIB, e em 2023 superou a meta de crescimento que girava e torno de 5%, isso mesmo diante dos desafios impostos pela insana política de Covid zero aplicada pela ditadura do país. 

O milagre econômico chinês é estudado por variados pesquisadores. Blanko Milanovic, economista sérvio, tem sua tese explicada no livro "Capitalismo sem rivais". Resumi seu pensamento em recente artigo da seguinte maneira: "O capitalismo político [chinês] seria dotado de algumas características. Listo elas: uma burocracia eficiente, obediência seletiva das leis, autonomia do Estado e corrupção endêmica. Isso significa, que nessa forma de capitalismo prevalece uma elite estatal que dirige o país com competência econômica, garantindo satisfação do povo. Ela não está submetida pelas leis, e por isso, consegue soluções rápidas, pode punir os problemáticos e beneficiar os obedientes. A corrupção, aqui, é inevitável".

Mas para outros estudiosos, como o já citado Rainer Zitelmann, o sucesso chinês vem mesmo de sua parcial adesão ao capitalismo de mercado. Isso teria começado em 1978, quando dirigentes comunistas visitaram mais de 20 países, parte deles na Europa Ocidental e outros da Ásia que aderiram ao modelo ocidental, como Japão e Singapura. Liderados por Deng Xiaoping, o grupo ficou apaixonado pela modernização que viu, tão distante da realidade chinesa. Mesmo que de forma gradual, o gigante asiatico fez sua transição para o capitalismo de Estado, onde a iniciativa privada cresceu e foram realizadas reformas liberalizantes. Também comportamentos da sociedade pressionaram por mudanças. Isto tudo impulsionou o extraordinário crescimento econômico. A China usou os "aplicativos do Ocidente", para usar o termo do historiador  Niall Ferguson, como instrumento de rápido desenvolvimento econômico. 

Os dirigentes comunistas aprenderam economia com o Ocidente, mas não aderiram ao seu sistema político. Enquanto é visível a importação de elementos do liberalismo econômico europeu e norte-americano, não há qualquer sinal de democratização política na China. Os chineses sofrem a violência totalitária do regime de partido único. Faltam liberdades individuais mínimas, como a de se expressar. A vida do cidadão comum é intensamente controlada pelo governo. 

Resultado da adesão chinesa ao capitalismo (ainda que o partido dominante seja o Partido Comunista Chinês) o país asiático cresceu com impressionantes taxas, mas viu o crescimento da desigualdade. O governo, então, planejou um novo programa, chamado "Prosperidade comum". Em resumo, a ideia é reduzir os níveis de desigualdade com intervenção estatal, acionando a economia doméstica. Há quem diga que medidas como esta e a falta de democracia política farão da China uma potência com os dias contatos. 

O fato é que o país da Ásia não pode ser hoje tratado nem mesmo com o estranho termo "socialismo de mercado". Os chineses experimentaram o seu choque de capitalismo, e obtiveram frutos, pelo menos os econômicos. Resta saber até onde vai isso tudo.

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