São os democratas, e não os radicais de esquerda, que salvam a democracia brasileira

Por Adelson Vidal Alves 

O Brasil atravessou vários golpes e tentativas de golpes de Estado em sua história. No Império, o Golpe da Maioridade. Nossa República nasceu de uma ação golpista, paradoxalmente com o protagonismo de um marechal monarquista. Ingressamos na modernização industrial pela Revolução de 30, mais tarde convertida no Golpe do Estado Novo. Houve tentativas de golpe contra JK, contra a posse de João Goulart e, finalmente, com a derrubada deste e a chegada de uma ditadura que durou impiedosos 21 anos. Falaremos deste golpe, que em breve completará 60 anos.

Janio Quadros foi eleito presidente do Brasil em 1960. Sua breve gestão (menos de 7 meses) foi marcada por ações bizarras, como a proibição dos biquínis e das brigas de galo, e também por atitudes ambíguas como a condecoração da Ordem do Cruzeiro do Sul ao revolucionário Che Guevarra, que ganhou a homenagem das mãos do próprio presidente. 

De personalidade instável, se meteu em uma estratégia desastrada na busca de maiores poderes. Renunciou ao cargo, esperando que os conservadores lhes entregassem maior força politica em troca de segurança contra o comunismo e o sindicalismo. Ao desembarcar em uma base militar de São Paulo, teve apoio de meia dúzia de governadores que pediram que voltasse ao cargo, ninguém mais. Quem deveria assumir a presidência então, segundo a Constituição, seria seu vice, João Goulart.

Jango estava em uma viagem para a China comunista, mais um motivo para reforçar a paranoia das elites brasileiras. Os ministros militares eram contrários sua posse, e a saída conciliadora foi construir um parlamentarismo que limitava os poderes de João Goulart. Mas em 1963 um plebiscito fez o Brasil voltar ao presidencialismo.

O governo Jango foi marcado por idas e vindas, e a conjuntura era de radicalização. O ministério do presidente contou com figuras como San Tiago Dantas no Ministério da Fazenda e Celso Furtado no Planejamento. No campo das esquerdas, o PTB e Brizola lideravam vozes duras contra o presidente, acusado de ser vacilante. As Ligas Camponesas treinavam guerrilha em Goiás inspiradas pela revolução cubana. O Plano Trienal apresentado pelo Ministro Celso Furtado foi duramente criticado pelas esquerdas, que segundo estas, arrochava o salário dos trabalhadores, no que Furtado respondeu: “Me encomendaram um Plano econômico, não uma revolução”.

A polarização na sociedade se acentuava, com Jango assumindo mais tarde as reformas de base, que democratizava o acesso à terra e beneficiava os trabalhadores, mas sem propor qualquer ruptura com o capitalismo. Jango não era um comunista.

No Rio de Janeiro, em 13 de Março de 1964, João Goulart fez um discurso para 150 mil pessoas ao lado de Brizola. No dia 19 de Março, em São Paulo, conservadores reuniram 500 mil pessoas na famosa Marcha da família com Deus pela liberdade, o apoio civil para o golpismo militar.

Em 31 de Março, o general Olimpio Mourão mobilizou tropas em direção ao Rio de Janeiro, e o presidente foi obrigado a voar para Porto Alegre e depois para o exílio no Uruguai. Brizola ainda tentou resistir no Rio Grande do Sul, mas acabou igualmente exilado.

As discussões em torno do golpe focam em vários aspectos. Ele poderia ter sido evitado? 

Análises deterministas dizem que não. A modernização industrial brasileira precisaria passar por um governo autoritário capaz de segurar os conflitos na sociedade. Mas há quem olhe para a suposta postura pequeno-burguesa de Jango. Seu perfil frágil e vacilante não teria sido capaz de guiar o país para as mudanças estruturais. João Goulart seria o grande culpado pelo triunfo golpista conservador. 

A ditadura brasileira mais tarde foi derrotada, não derrubada, como queriam as esquerdas armadas. Estas não pretendiam restaurar a democracia no Brasil, mas implementar o socialismo pela via revolucionária. Foi uma frente ampla que devolveu ao Brasil ventos democráticos. Uma frente de liberais, católicos democratas, comunistas moderados e outros grupos da sociedade civil. 

Em 8 de janeiro de 2023, um amontoado de aloprados golpistas tentaram novo golpe. Não obtiveram sucesso, apesar do barulho. Não estamos mais na Guerra Fria, as instituições brasileiras ganharam músculos, e as forças armadas têm em seus núcleos principais uma mentalidade legalista. 

Já nas eleições de 2022, liberais e setores do centro político logo se apressaram em forçar uma ampla aliança contra Bolsonaro, prevendo os riscos que ele trazia para a democracia. Cientes do sacrifício em apoiar uma candidatura sem tanto alinhamento com a democracia liberal, como é Lula, os democratas entenderam as circunstância, sabendo que mais tarde teriam que continuar lutando pela democracia. E não demorou muito o primeiro teste. Diante do vandalismo golpista no 8 de janeiro, os democratas agiram nos tribunais, na imprensa, na academia e nos partidos políticos. Um enfrentamento consciente e adequado aos modelos estruturais da nova sociedade brasileira. 

Como em 64, os democratas, e não os radicais de esquerda, derrotaram o golpismo e a ditadura.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os brancos cristãos escravizados por muçulmanos que a historiografia esqueceu

O identitarismo está construindo uma nova história do Brasil

VILA AMERICANA: POR QUE VOTO NA CHAPA 2