Os "brasileiros" ex-escravos que colaboraram com os colonizadores

Por Adelson Vidal Alves 

É de conhecimento nosso que reinos africanos participaram ativamente no tráfico atlântico de escravos. Tais reinos conseguiram enriquecer com o comércio de almas para o trabalho compulsório, como foi o caso do Reino de Daomé. Eles ainda obtiveram ganhos militares com a aquisição de armas que, pelo menos entre os africanos, lhes davam vantagens nas guerras. 

Na América portuguesa a escravidão foi em certo ponto "democrática". Nenhum dispositivo legal impedia negros de terem escravos, e eles tiveram. Mais que isso, muitos acumularam riqueza sendo senhores de gente, tal como revelado no livro "As sinhás pretas da Bahia: suas  escravas, suas jóias" do antropólogo Antônio Risério. Para muitos, tal atitude soa incoerente e até traição, visto que eram negros escravizando negros. Mas é importante entender que na África a escravidão existia bem antes da colonização europeia, e naquele tempo não havia um sentimento de africanidade. Os africanos dos séculos passados eram fiéis ao seu clã, grupo ou aldeia, não à "raça".

Outro fato interessante, que para muitos pode soar como traição ou algo assim, envolve os chamados agudás, ou "brasileiros". Escravos libertos no Brasil e que voltaram para o Golfo do Benim. Muitos deles sabiam ler e escrever, e colaboraram com a administração colonial em várias áreas. Abrasileirados, formaram bairros próprios para eles e difundiram a cultura brasileira, seja na culinária (feijoada, cozido, mocotó), em festas populares (Bumba meu boi, carnaval) e também na arquitetura. Viraram traficantes de escravos e também se diferenciavam pela vestimenta, como no uso do terno branco pelos homens e guarda-chuvas pelas mulheres.

João de Oliveira, um africano liberto, voltou do Brasil para a África, e obteve êxito no tráfico negreiro. Em poucos anos já tinha vários embarcadouros de escravos, obtidos com verba própria. Jerônimo, "o Brasileiro", viveu 24 anos no Brasil como escravo. De volta a África, fazendo uso do seu bom português, ocupou o cargo de representante do soberano no trato com os europeus. Chegou a disputar o trono de Ajudá, amplamente apoiado por "brasileiros" traficantes de escravos. Ignácio Paraíso foi o primeiro representante negro no Conselho de Administração da Colônia, cargo que ganhou por sua prestação de serviço  Era muçulmano, mas se sentia bem mesmo ao lado dos franceses. 

Os "brasileiros" ou agudás, como já dito, também se envolveram com o tráfico de escravos. Nas palavras do africanista Alberto da Costa e Silva "E ainda havia aqueles que, de mercadoria, se tornaram mercadores, aqueles que, havendo experimentado as agruras e humilhações da escravidão nas Américas, retornaram à África para vender e comprar gente".

Além dos agudás, outro grupo colaborou com a administração central dos governos coloniais. Os chamados sarôs eram ex-escravos libertos pelos britânicos. Converteram-se ao cristianismo protestante e adotaram para si a cultura britânica. Sua ambição na África era libertar o continente do que consideravam práticas primitivas, como a poligamia e os sacrifícios humanos. Bem diferente eram os "brasileiros" católicos, que não pretendiam europeizar a África. Se sentiam brasileiros com a mesa repleta de pamonha, pé de moleque, cocada, canja e bacalhau. Pensavam em  enriquecer à moda europeia e africana. 

Os agudás puderam mandar seus filhos para estudar em Londres, Paris ou Berlim, e se tornaram parte da burguesia colonial da Nigéria. Porém, com a consolidação do domínio colonial viram suas oportunidades de prestígio encurtarem. Da Metrópole vieram inteiras famílias, que nas colônias formaram sociedades onde os negros e mulatos não tinham vez. Muitos agudás se viram humilhados pelos europeus em condições subalternas.

No entanto, alguns destes "brasileiros" resolveram cobrar dos europeus a mesma política adotada na metrópole. Queriam um governo representativo com direito a voto. Deste grupo (de escravos no Brasil, agora libertos e de volta à África) saíram nomes que viriam a ser lideranças no processo de independência africana.

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