Esquerda antissionista não conhece ou distorce o que é o sionismo

 


Por Adelson Vidal Alves 

O livro "O Estado Judeu", do jornalista Theodor Herzl, publicado em 1896, é considerado o referencial histórico na mobilização do sionismo. O autor, partindo do crescente antissemitismo que se alastrava pela Europa, convocou os judeus a lutarem por uma pátria, e descreveu um plano para que isso acontecesse. Herzl pensou na Argentina e na Palestina como os lugares onde poderia ser erguido um Estado judaico. A obra trouxe a problemática judaica para o nível internacional. 

Em 10 de novembro de 1975, através da resolução 3379, a Assembleia Geral das Nações Unidas considerou que o sionismo se equiparava ao racismo. A decisão teve apoio do Brasil, que atravessava uma ditadura militar. Os militares viam com maus olhos os judeus na resistência democrática brasileira, e decidiram ir contra o Estado de Israel. Posição semelhante teve Lula, ao ficar do lado da denúncia de genocídio feita pela África do Sul na Corte de Haia, tendo Israel como acusado. A resolução 3379 foi revogada em 1991 por mais de 100 votos de diferença, com muitos países  voltando atrás depois de quase duas décadas.

O sionismo, então, é um movimento legítimo e histórico em defesa do perseguido povo judeu ou é um movimento colonialista que quer o extermínio dos palestinos? 

Dentro da esquerda prevalece a narrativa do antissionismo. Se pega mal ser abertamente antissemita, ser antissionista soa progressista, seria estar ao lado dos oprimidos palestinos contra um Estado colonizador. O historiador Sayid Marcos Tenóri escreveu artigo na revista Cult advogando que dentro do sionismo só podem haver genocidas, já que "Sionismo, Estado de Israel e limpeza étnica são termos indissociáveis". Mesmo a ala esquerda do sionismo, desde os Kibbutz ( comunidades agrícolas socialistas),  faria parte de uma postura racista frente os palestinos. O autor, em seu artigo, defende que o Hamas é um ator político legítimo, representante da resistência palestina contra o colonialismo sionista. 

A tese do colonialismo israelense, assim como o da limpeza étnica, é frágil e desonesta. Só há genocídio se houver uma ação deliberada de extermínio contra um povo ou etnia. O termo foi usado exatamente para descrever o holocausto nazista contra os judeus, mas pode ser usado no caso dos armênios vítimas do Império Otomano, os ucranianos vítimas do comunismo soviético e na matança promovida pelos hutus contra os tutsis em Ruanda. Não há nada que ligue Israel a algo assim. O Hamas, apoiado por parte da esquerda, este sim declara publicamente em seu texto de fundação o objetivo de extermínio dos judeus. 

Sobre a ideia de Israel colonialista, ela foi bem refutada por Leonardo Avritzer, professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG, que estabeleceu, a partir de autores pós-colonialistas, critérios para definir um empreendimento colonial, como "a presença de uma metrópole europeia com um projeto econômico extrativista associado a uma proposta de hegemonia cultural exercida por meio da linguagem e da cultura". O caso israelense na região da Palestina histórica não se encaixa em tais critérios "uma vez que os movimentos migratórios que envolveram o empreendimento sionista tiveram origem entre grupos subalternos da Europa Oriental e da Rússia, que não professavam uma teoria da colonização. Ao mesmo tempo, vale a pena lembrar que os imigrantes judeus da Palestina não fizeram qualquer esforço visando ao estabelecimento de um processo de hegemonia linguística e cultural em relação aos palestinos".

No sionismo, de fato, há setores que reivindicam um certo supremacismo judaico, e sonham com o Israel bíblico, a "Grande Israel". Não duvido que entre estes haja sentimentos genocidas e racistas contra os palestinos. Mas eles são ínfima minoria entre a comunidade judaica. No meio sionista há progressistas com voz ativa, inclusive no Brasil, como é o caso do historiador, escritor e antropólogo Michel Gherman. Em debate no Instituto de Relações Internacionais da PUC/Rio, Gherman foi hostilizado por alunos e chegou a entrar em uma lista de apoiadores do Hamas, organizada por bolsonaristas. O professor da UFRJ respondeu: "Não é possível acusar um professor judeu e sionista de apoiar o Hamas". Sim, ele é assumidamente sionista. 

Há muitos como Gherman que pertencem ao campo progressista do sionismo. Querem um diálogo aberto e são vozes críticas ao expansionismo israelense na Cisjordânia e os crimes de guerra cometidos agora em Gaza. Mas para setores da esquerda o sionismo só pode ser colonialista e racista. Parece que ser judeu é automaticamente apoiar tudo que faz Israel, mesmo não sendo israelense, como Gherman. Na verdade, em muitas das vezes, o antissionismo é simplesmente uma máscara para o antissemitismo. 




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