O Jesus da história e o Jesus da bíblia


Por Adelson Vidal Alves 

"Quanto mais a ciência estuda a vida de Jesus, menos a bíblia tem razão". O dono desta frase está longe de ser um racionalista materialista e sem fé. Ela é do teólogo e professor de teologia bíblica Rochus Zuurmond.  Como pesquisador e religioso ele sabe que há dois personagens envolvendo o nome de Jesus. O primeiro dispensa comentários:  é o Jesus da fé. Ele não depende de qualquer confirmação científica para ser cultuado. Já o segundo, o Jesus histórico, é o que resulta das pesquisas mais recentes da arqueologia, filologia e de outras ciências. Vamos conhecê-lo?


Os evangelhos não são uma biografia

O cristianismo oficial escolheu quatro livros para contarem a história de Jesus, os chamados evangelhos canônicos, contra os chamados apócrifos, que não passaram no teste da igreja. O mais antigo destes documentos é o evangelho de Marcos, escrito 40 anos depois da morte de Jesus. Um tempo considerável para se crer que ali esteja um exímio trabalho historiográfico. No entanto, mais que a questão do tempo, os estudiosos avaliam os evangelhos como interpretações e construções de discípulos dispostos a traçar a imagem de um messias vitorioso. A ideia não seria trazer a biografia fiel do Cristo, mas de firmar ânimo em torno da figura transcendental que se construía. “Os livros bíblicos foram escritos com objetivo de levar as pessoas a se comprometerem. Não podemos exigir que nos forneçam o que escrevia os historiadores”, escreveu o padre e tradutor da bíblia Ivon Storniolo. Já para o ja citado teólogo Rochus Zuurmond “As histórias da bíblia foram contadas com base nos pressupostos de quem as contava e de acordo com a função que queriam dar a elas”


Jesus não fundou religião

“Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mt 16-18)

A famosa passagem acima diz que Jesus deu a Pedro a função de fundar uma igreja. O trecho só se encontra no evangelho de Mateus, e é tratado como uma tentativa do evangelista de “puxar sardinha” para o seu lado. O texto foi escrito em Antioquia, na Siria, onde Pedro realizou parte do seu apostolado. Os pesquisadores estão convencidos que Jesus jamais quis fundar uma nova religião.

Temos evidências que Jesus era um milenarista que acreditava no fim do mundo em breve. Por que alguém que sabia que o fim dos tempos chegaria logo se preocuparia em fundar uma igreja peregrina? O mais provável é que Jesus tenha sido um judeu reformista, que debatia criticamente os escritos sagrados. Não há evidências que ele tenha se proposto a romper com o ensino da bíblia judaica e construir uma nova doutrina. Esse trabalho coube a Paulo.


Essênio, fariseu ou zelote?

Sendo Jesus membro da comunidade judaica, de qual facção ele participava? Houve muita expectativa recente sobre os chamados manuscritos do Mar morto, encontrado nas cavernas de Qurman nas décadas de 40 e 50. Os fragmentos reproduziam a doutrina dos essênios, grupo judaico de vida asceta, a qual João Batista provavelmente fez parte. João batizou Jesus, e por isso muitos acharam que nos textos do Mar morto encontrariam alguma referência como sendo Jesus parte desta seita. Nada foi encontrado, o que reforçou a tese dos céticos, que sempre viram na atividade intensa de Jesus um contraste com o jeito mais confinado dos essênios.

Há quem aposte que ele possa ter pertencido ao grupo dos fariseus, devido o uso de palavras e seu empenho pelo debate, muito próprio desta seita. Há quem acredite em um jesus revolucionário radical, do tipo militante do MST. O fato é que o exato grupo que acolheu Jesus ainda segue sendo um mistério.


Jesus era líder de um grupinho

Ao ler os evangelhos, temos a impressão de Jesus como um líder popular que arrastava multidões. É consenso entre os estudiosos que isso não confere. Nos próprios documentos sobre sua vida, que são raros fora da bíblia, demonstram que pouca gente se interessou em registrar a vida de mais um candidato a messias. Sim, na época vários foram os que se apresentaram como o messias esperado pelos judeus. Além do mais, na própria bíblia lemos um episódio que sugere Jesus como líder de um grupo pequeno e sem grande popularidade. Sua entrada em Jerusalém nos festejos da Páscoa se deu de forma tranquila em cima de um jumento. Caso fosse ele uma liderança que mobilizava aglomerações o império romano, que tanto temia revoltas nestas ocasiões, teria o deixado entrar tranquilamente no local? 


Os judeus são inocentes

Muito do antissemitismo na história se deu pela interpretação equivocada de que os responsáveis pelo martírio de Cristo tenha sido o povo judeu, que pediu sua cabeça a Pôncio Pilatos. A passagem bíblica é uma invenção, primeiro porque a tradição de se trocar um condenado por outro não consta nos documentos que conhecemos sobre o período.Segundo, que a figura de Pilatos lavando as mãos por um inocente não bate com o que sabemos sobre o então governador da Judeia, um assassino sanguinário. Para vários pesquisadores, os evangelistas agiram para reduzir a culpa de Roma em tempos de perseguição.


Um trabalhador nascido em Nazaré e que provavelmente era casado

A bíblia narra o nascimento de Jesus em Belém com direito a visita de reis magos e tudo. Nada disso aconteceu. Todas as informações bíblicas sobre visitações, estrelas e censos romanos não consta nas fontes históricas que temos. Na tradição cristã (não na bíblia) os reis magos eram Baltasar, Gaspar e Melchior. Eles seriam parte de uma estratégia literária com fins a dar uma dimensão universal e simbólica ao nascimento do rei dos judeus. O que sabemos é que Jesus nasceu em Nazaré, uma pequena aldeia de 400 pessoas. Jesus, pelas parábolas de agricultura, pode ter sido camponês, ou mesmo um operário, que trabalhou nas construções que erguiam a seu redor. Ele provavelmente seguiu o oficio dos pais, um simples trabalhador manual.

Não temos nada que indique Jesus casado, há ausência de provas neste sentido, o que é normal dada as fontes que temos. No entanto, não é absurdo que ele tenha acompanhado a tendência do momento histórico em que ele viveu. Casou e teve filhos.


Analfabeto que não defendeu adúltera

Os registros confirmam que Jesus era pobre. Sendo assim, ele não aprendeu a ler e escrever.  Também não participou da famosa cena do "agora o a primeira pedra quem nunca teve pecado". Para Bart Ehrmann, essa é uma das tantas passagens incluídas posteriormente na bíblia. 


Reino de Deus: uma mensagem de esperança e justiça 

Em uma coisa cristãos e cientistas concordam. Jesus deixou ensinamentos e mensagens sobre partilha e justiça. O Reino de Deus é uma utopia igualitária, de vida em abundancia para todos. Que esse sonho seja compartilhado por todos, cristãos ou não. 

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