Reformas religiosas importam?


Por Adelson Vidal Alves 

A Idade média já foi chamada de Idade das trevas. Partia-se da ideia de que durante cerca de mil anos o domínio da igreja católica fez a história estacionar, sem nenhuma mobilidade tecnológica e cultural. O termo já não é mais utilizado. Durante este período conhecemos atrocidades como a Inquisição, mas ele não foi um absoluto vazio intelectual e criativo. 

No século XVI, Martinho Lutero deu início a um movimento reformista que dividiria o cristianismo, desafiando hierarquias e democratizando a narrativa da fé. O protestantismo avançou na universalização da educação, deu à consciência individual o poder de interpretar as escrituras, valorizou a ética do trabalho e contribuiu significativamente para a modernização do Ocidente. Teria o reformismo religioso poder de auxiliar o trem da história para a frente? Ele é possível em todos os espaços religiosos?

Parece claro o quanto é difícil implementar reformas no ambiente do islã. Uma das grandes defensoras do reformismo islâmico é a escritora Ayaan Hirsi Ali, autora de "Herege: Por que o Islã precisa de uma reforma imediata". O mundo hoje conta com mais de um bilhão de muçulmanos, caso este grande contingente caminhasse por um rumo mais secular e democrático teríamos muito o que comemorar. Ali aposta nisso, e acha que já há condições para isso acontecer, como aconteceu no cristianismo nos séculos passados. Só que há particularidades problemáticas no islamismo. 

O mundo islâmico opera hoje em uma perspectiva política violenta e autoritária. Dissidentes não são tolerados, mulheres e minorias sexuais são oficialmente perseguidas em várias teocracias islâmicas. Nenhuma religião mata mais em nome da fé e de forma oficial como o islamismo, de onde vem também a maior parte das organizações terroristas. O cristianismo e o judaísmo, para ficar no campo monoteísta, ainda tem estruturas autoritárias, é verdade. O atual governo de Israel abriga supremacistas judaicos, e o catolicismo trata como heresias visões teológicas como a teologia da libertação, onde seus principais pensadores foram punidos com o silêncio. No entanto, estes pensadores tiveram seus pescoços privados da degola, sorte que muitos intelectuais muçulmanos não tiveram quando criticaram sua religião.

O cristianismo moderno deu passos no caminho da separação Estado e religião, mas nem sempre foi assim. Poderíamos conversar sobrr a ja citada inquisição medieval, uma parceria entre Estado e Igreja na matança de hereges. Há também o histórico governo calvinista. O protestante João Calvino administrou Genebra vigiando vestimentas femininas, proibindo teatros, danças e festas. A tirania calvinista assassinou o teólogo Miguel Servet, acusado de heresia. Como podemos perceber, matar em nome de Deus não é privilégio do Estado Islâmico. 

Reformas religiosas podem ajudar o mundo a se livrar de guerras e conflitos, temos provas disso na história. No entanto, penso que a mentalidade religiosa sempre terá um limite até onde a tolerância pode operar, e isso em qualquer religião. A ideia de deuses, infernos e paraísos sempre inclina para a divisão e algum tipo de intolerância. Bom seria aposentar as divindades, mas isso é sonho de iluministas clássicos como eu. Melhor e mais realista apostar em reformas graduais progressistas no ambiente religioso. É melhor do que nada.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os brancos cristãos escravizados por muçulmanos que a historiografia esqueceu

O identitarismo está construindo uma nova história do Brasil

VILA AMERICANA: POR QUE VOTO NA CHAPA 2