Não preciso ser cristão para salvar o Ocidente


Por Adelson Vidal Alves 

A somali Ayaan Hirsi Ali tem uma história admirável. Professora, pesquisadora e escritora, é uma corajosa ativista pelas liberdades de crença e pensamento. Crítica feroz do islã, tem na sua biografia a relação com a Irmandade muçulmana e um passado de mutilação genital. Depois de ler o famoso texto de Bertrand Russel "Por que não sou cristão" se tornou atéia. Hoje se diz cristã, e assim de declarou ao publicar o artigo "Por que agora sou cristã", que vem dando o que falar.

Ali tem muita razão em várias partes do seu texto. Para começo de conversa, ela identifica ameaças terríveis à cultura ocidental. Para ela, temos três grandes inimigos: "A civilização ocidental está sob ameaça de três forças diferentes, mas relacionadas: o ressurgimento do autoritarismo e do expansionismo das grandes potências sob as formas do Partido Comunista Chinês e da Rússia de Vladimir Putin; a ascensão do islamismo global, que ameaça mobilizar uma vasta população contra o Ocidente; e a propagação viral da ideologia woke, que está a corroer a fibra moral da próxima geração".

Ela está coberta de razão. De fato estamos diante de uma horrenda aliança anti-Ocidente. Ainda segundo a autora "Esforçamo-nos por afastar estas ameaças com ferramentas modernas e seculares: esforços militares, econômicos, diplomáticos e tecnológicos para derrotar, subornar, persuadir, apaziguar ou vigiar. E, no entanto, a cada ronda de conflito, perdemos terreno"

Também concordo com a segunda parte. De fato, o Ocidente pena uma crise preocupante nas finanças, em sua democracia, na rejeição de sua própria cultura. Nossa civilização perde força e influência, ao mesmo tempo em que a guerra imperial russa avança, a economia chinesa cresce, o identitarismo domina as universidades  e o islamismo se espalha no mundo como um câncer. Para Ali, o ateísmo que ela tanto advogou não serve para capturar o coração das pessoas, pois não oferece sentido existencial. Sendo assim, somente o cristianismo poderia unir o mundo ocidental em defesa desta civilização. 

O ateísmo a que Ali se refere é o ateísmo militante, de gente como Richard Dawkins e Christopher Hitchens. Não crer em Deus é tão somente uma negação do sobrenatural, não tem nada a ver com ativismo filosófico, a não ser que falemos do "novo ateísmo", uma verdadeira cruzada racionalista contra a religião. Esse tipo de pensamento, é verdade, nada serve para aglutinar e fortalecer a civilização Ocidental. No entanto, é preciso compreender que as maravilhas que o Ocidente ofereceu ao mundo passaram, principalmente, pelo iluminismo, pela ciência que ele criou, pelas liberdades que ele defendeu. Ou seja, pela promoção das virtudes da razão. 

O Cristianismo e o judaísmo podem até ter mobilizado o nascimento das instituições do Ocidente, como defende Ali citando Tom Holland. Mas discordo que os cristãos tenham feito tantos progressos em relação ao laicismo, a não ser que sejam comparados ao fanatismo tresloucado do mundo muçulmano. Não temos nos países de maioria cristã a prevalência da Sharia, mas é perceptível que a atuação cristã na política formou partidos confessionais, e em países como o Brasil, elegeu enormes bancadas religiosas que atuam contra as liberdades tão exaltadas por nossa civilização. No que depender de um Silas Malafaia, por exemplo, os gays voltam rapidinho para as fogueiras. 

O que o Ocidente trouxe de melhor vem do seu humanismo. A liberdade de crença, que tão bem foi defendida pelos iluministas europeus, é fruto da centralidade dada à autonomia individual humana. A vida espiritual do Ocidente pode ser sim um alicerce importante na estratégia de sobrevivência civilizacional, mas o que o faz universal e culturalmente superior é seu cosmopolitismo, o império das leis e o Estado de direito. Temos que ser capazes de persuadir o mundo a entender o que perder tudo isso significa. O que seria um mundo debaixo do totalitarismo chinês, da selvageria russa, do autoritarismo Woke e do fundamentalismo islâmico.  Para defender o que de melhor conseguimos como espécie não preciso me tornar cristão. 


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