"Som da liberdade" nos faz pensar sobre a relação entre arte e política


Por Adelson Vidal Alves 

"A arte serve para elevar a consciência dos trabalhadores, fazendo-os refletir sobre a realidade e convidando-os a mudá-la pela práxis". Assim a arte seria definida por um marxista-leninista em meados do século XX. O uso da cultura como formação da mentalidade política é coisa velha, não só para revolucionários, mas também para conservadores, racistas, ditaduras etc. 

"Som da Liberdade", que chegou aos cinemas do Brasil na semana passada, pode ser visto como mais um panfleto político dentro da sétima arte, dessa vez, usado por ultraconservadores. A produção do filme conta com figuras conhecidas desse tipo de pensamento, como Mel Gibson. A estética é pobre, o fundo musical é propositalmente apelativo, o enredo é previsível, do tipo uma mistura de novela das 9 com filme de super-heroi da Marvel. Mas há coisas nele que merecem ser analisadas, sobretudo nos rumos de sua narrativa. Além do mais nos convida a pensar: qual deve ser a verdadeira relação da arte com a política?


O tema é relevante: tráfico de crianças. À história é de um policial americano que resolve ir sozinho para América Latina salvar pequeninos inocentes de pedófilos asquerosos. Sabemos o quanto a pedofilia é um problema sério e real, mas o filme parece namorar teorias conspiratórias, coma a de que há um sistema de roubos de crianças para fins sexuais operando no seio da sociedade. Há quem ligue tais ideias a grupos conspiracionistas como o QAnon. 

O cenário final do filme se dá nas matas rebeldes da Colômbia, provavelmente uma tentativa de ligação com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Ta certo que a guerrilha marxista está bem longe de ser um exemplo de civilidade e pacifismo, mas ao associar grupos assim com a pedofilia a produção parece ter um alvo: a esquerda. Há ainda uma dose nada modesta nos objetivos apresentados na mensagem especial do filme. O ator protagonista, Jim Caviezel, compara  " Som da liberdade" ao romance "A Cabana do Pai Tomás" de Harriet Beecher Stowe, considerado por muitos o responsável pela Guerra de secessão americana e a luta contra a escravidão. 

É possível fazer cinema misturado à política, é possível deixar mensagens, problematizar questões no cotidiano, conscientizar. Mas também é possível demonizar grupos, promover efeitos nefastos para a  vivência democrática, é possível até convencer pessoas que uma ditadura é boa. "Som da Liberdade" tem endereços e objetivo. Comover pessoas para um problema, mas não sem antes obter ganhos políticos para um setor: a direita conservadora. Por isso a mobilização de bolsonaristas e evangélicos nos cinemas. "Os filhos de Deus não estão à venda" está pronto para virar slogan direitista nas próximas eleições. 

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