O Povo Brasileiro


RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. São Paulo, Ed. Global: 2015.


Por Adelson Vidal Alves 

Darcy Ribeiro fugiu do hospital para escrever O Povo brasileiro, segundo ele mesmo conta no prefácio do livro, dedicado ao amigo e antropólogo Mércio Gomes.

O Povo brasileiro é um dos maiores clássicos do pensamento social sobre o Brasil. Particularmente, é um dos meus preferidos, li e revisitei por dezenas de vezes. A escrita de Darcy é agradável, seu conhecimento se mistura à sensibilidade social de quem não quer apenas descrever as características de um povo, mas pensar suas dores, seus problemas. Nosso autor não ficou apenas nos livros, foi para prática, defendendo os indígenas, denunciando a imoralidade da desigualdade social brasileira, e propondo saídas, como no desenvolvimento do projeto de educação integral, infelizmente ceifado pela corja que quer mais é ver a perpetuação da exclusão. 

O livro começa narrando o encontro entre colonizadores e os povos que aqui estavam. Os índios teriam visto os que chegavam como sendo enviados do seu deus. Visão mais tarde desfeita pela decepção. Mesmo assim "A atração irresistível  das ferramentas, dos adornos, da aventura" faziam com que muitos não fugissem, antes, "queria ver com seus próprios olhos o povo estranho (...) recebendo navios cheios de bens preciosíssimos". 

O povo brasileiro, para Darcy, é uma etnia nacional dentro de uma nação unificada. Diferente de outras nações onde os conflitos étnicos são permanentes, aqui a mistura racial produziu um ser nacional. Da convergência de negros, índios e brancos nasceu o povo, abrasileirado o suficiente para, inclusive, absorver japoneses, árabes e outros que aqui mais tarde chegaram. Enfrentamentos sociais existem, entre as classes opostas, com as elites "primeiro lusitanas, depois luso-brasileiras, e afinal, brasileiras" que "viveram sempre e vivem ainda sob o pavor do pânico do alçamento das classes oprimidas". Debaixo desta unidade étnica há uma classe dirigente egoísta que se recusa a ceder seus privilégios.

O cunhadismo foi a chave explicativa encontrada por Darcy neste trabalho. Indígenas oferecidas aos brancos alargavam as relações de parentesco, promovendo e facilitando o uso do trabalho nativo. As guerras e a escravização foram necessárias apenas quando a exigência do trabalho cresceu.

Darcy celebra a mestiçagem, afinal "O nascimento de um filho mulato nas condições brasileiras não é nenhuma traição à matriz negra ou à branca, chegando mesmo a ser motivo de orgulho". A miscigenação e a integração são parte da nossa história, bem diferente dos nossos vizinhos do Norte e sua história segregadora. O integracionismo do Brasil  é visto então como "O valor mais positivo da conjunção inter-racial brasileira". Para Ribeiro, nosso preconceito, injustiça e discriminação central vem do ambiente das classes sociais. Escreve ele: "Apesar da associação da pobreza com a negritude, as diferenças profundas que separam e opõem os brasileiros em extratos flagrantemente contrastantes são de natureza social". 

O Povo brasileiro foi recebido como marxista pela direita, e como não-marxista pelos comunistas. Prova de que Darcy não se ateve a ideologias oficiais dogmáticas, compreendeu o Brasil cientificamente, analiticamente e com a cabeça livre e independente. O resultado foi uma obra ímpar na história do debate público sobre nossa formação nacional. 


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