O identitarismo e a derrota do marxismo

Por Adelson Vidal Alves 

O marxismo sempre se valeu da narrativa das classes sociais. Em luta, os grupos econômicos moveriam a história para a frente, até o triunfo da "classe universal", ou seja, o proletariado, coveiro do capitalismo. A expectativa revolucionária comunista é a do fim das classes sociais, do Estado e a homogeneização da sociedade. 

A experiência da revolução russa de 1917 jogou na história o que até então era só sonho. Os bolcheviques triunfaram e exportaram a utopia socialista, rivalizando com o sistema do capital. A esquerda mundial viu a possibilidade de suas esperanças virarem realidade: o mundo a vencer a opressão social e desfrutar do paraíso produzido pelo socialismo científico. Mas eis que tudo começa a desmoronar. 

No final da década de 1980 e inicio de 1990 o chamado socialismo realmente existente dá sinais de esgotamento. A economia perdeu fôlego, o modelo soviético de Estado se tornara obsoleto, a ausência de democracia enfraqueceu a dimensão consensual do regime. A derrubada do Muro de Berlim e a queda oficial da URSS selaram o fim de uma era. Como diria Lênin: que fazer?

Os marxistas mais dogmáticos persistiram em seu altar sagrado, reafirmando as santas palavras de Marx. Uma outra parte da esquerda se vira para versões humanitárias do capitalismo, enquanto os mais heterodoxos acreditam poder trazer de volta o verdadeiro marxismo, dialético e histórico, diferente da experiência autoritária do comunismo soviético. Outro setor, no entanto, emerge da sociologia americana, das universidades dos EUA direto para o Brasil. Intelectuais ligados à Fundação Ford pensaram políticas racialistas, e a Nova esquerda que nasce resolve trocar de super herói: sai o proletariado, entram as minorias. 

A esquerda brasileira resolve dar uma folguinha para Marx enquanto afaga Foucault. O poder antes totalizado na figura do Estado fica fragmentado em micro-estruturas. As identidades se multiplicam ao mesmo tempo que se erguem barreiras. Os grandes conflitos deixam a arena das classes e desaguam no terreno da raça, da orientação sexual e do gênero. 

O identitarismo de direita funciona pelo nacionalismo, nas expressões religiosas e no supremacismo branco. Na esquerda, as mulheres, os gays e os pretos assumem o protagonismo das grandes lutas progressistas, aposentando o moribundo operariado fabril. O multiculturalismo avança dentro dos partidos de esquerda, com raras vozes marxistas a resistir. 

Um dos poucos a se levantar contra esse tiro letal do pós-modernismo no materialismo dialético clássico foi o filósofo Carlos Nelson Coutinho. Diz ele: "Os estudos culturais e o multiculturalismo são importantes para chamar a atenção sobre as diferenças, sobre as identidades, para não deixar subsumir coisas diversas no mar de uma universalidade abstrata". Mas alerta: "(...) falta frequentemente nos chamados Estudos culturais, no multiculturalismo e também nos estudos feministas e ecológicos uma visão universal, uma busca da totalidade".

Carlos Nelson, como bom marxista-gramsciano que era, sabia que os movimentos identitários não poderiam atender à utopia universalista do marxismo, que só faz sentido apresentando um sujeito revolucionário do mundo do trabalho, organizado preferencialmente na forma de partido.  As agremiações político-eleitorais de hoje que reivindicam Marx mas se movem por muros étnicos, raciais e das identidades fragmentadas do identitarismo não sabem que estão a abençoar a derrota do marxismo.

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