Novo livro de Risério é uma corajosa defesa da mestiçagem


Por Adelson Vidal Alves 

"A luta de organizações políticas negras para banir de nosso meio o emprego da palavra mulato, por exemplo, é parte fundamental da movimentação racista para suprimir uma identidade social. Uma identidade que, por sua simples existência, perturba e mostra o caráter artificioso de uma ordem contestadora que imagina que a questão socioracial brasileira só será resolvida se a nossa população fingir que não é mestiça, adotando a fantasia dicotômica estabelecida originalmente por senhores de escravos norte-americanos, passando a tratar o Brasil como nação rigorosamente bicolor". 

O fragmento acima faz parte do novo livro de Antonio Risério, "Mestiçagem, identidade e libertade", publicado pela TOPBOOKS. Nele, o corajoso antropólogo que assumiu a linha de frente contra o identitarismo e o multiculturalismo descreve com erudição acadêmica os planos, as movimentações e os truques da militância identitária em sua luta pardicida anti-miscigenação.

A mestiçagem, nas orientações do próprio autor, é conceitualmente a mistura da biologia e da produção simbólica. É a cara do Brasil, mas que é rejeitada por brasileiros que preferem assumir um gueto identitário a partir da cor de sua pele, ao invés de celebrar nossa história particularmente miscigenada e rica. Ao contrário dos tempos do racismo científico, como o proposto por um Arthur de Gobineau, os advogados da pureza racial e detratores da mestiçagem dos nossos tempos são pretos, ansiosos por criar uma linha rigorosa a demarcar brancos privilegiados e negros oprimidos. Os primeiros condenados a eterna penitência, e os ultimos sujeitos à permanente reparação histórica. A luta contra o mestiço reúne todas as armas e estratégias possíveis, muitas vezes sórdidas e penetradas por todo tipo de falsificação. 

Na narrativa negrista temos a fantasia que pinta uma África idílica, inexistente na história, mas necessária na construção de uma consciência diaspórica, capaz de unir uma "raça" em torno de interesses comuns. Se a antropóloga Lilia Schwarcz aceitou recuar em sua denúncia contra toda essa ilusão, o mesmo não faz Risério, que diz com todas as letras: "Mama África", por sua vez, é uma fantasia compensatória de pretos ocidentais (...). A África da militância neonegra do Ocidente é uma África folclórica. Uma construção ingênua e desinformada, mera ficção". 

A luta das raças, que substitui a tradicional luta de classes da esquerda marxista, é o referencial reflexivo dos que pensam a partir de uma consciência bicolor. Brancos contra negros e negros contra brancos. Nesta grande guerra racial, narram, é o preto a vítima que precisa reagir e buscar redenção. Vale tudo aqui, da justificação de estupro contra as mulheres brancas até o incentivo de rivalidades raciais através  de pedagogias ditas antirracistas, mas que só servem por separar crianças; umas para sofrer como descendentes do branco opressor e outras para olharem para si e verem o coleguinha de turma com chicote na mão a lhe açoitar como se açoitava um cativo. 

A mestiçagem significa abertura, possibilidades, dinamismo. O maniqueísmo racial é estático e violento, prega muros entre as pessoas. Convoca-se as mulheres negras a fugir de homens brancos, que só podem ser estupradores. Proibe-se a sexualidade interracial, amaldiçoando os "palmiteiros" que contribuem com o "genocídio do povo negro".

A paranoia é generalizada, e integra um mundo segregado entre dominador e dominado, que por sua vez se abastece dos medos e perturbações geradas por um discurso fatalista e vitimista. Nada disso deveria pertencer a um território onde a história se deu pelo contato, pela mistura, pelo sincretismo. Onde deveria haver convivência, há conflito, ódio, revanchismo. 

Nosso autor, então, nos alerta que a celebração da mestiçagem não pode ser a construção de um novo QG identitário, mas a afirmação da dinâmica e da diversidade. "O que se deve evitar a qualquer custo (...) é a armadilha da criação de uma nova "identidade" (...) a mestiçagem é o campo aberto para a afirmação enfática da multiplicidade de todos e de cada um de nós", conclui Risério.

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