Os liberais devem apoiar o governo Lula?

 

Por Adelson Vidal Alves 

Não são justas as críticas do crítico literário Roberto Schwarz ao liberalismo brasileiro no seu famoso ensaio "As ideias fora do Lugar", já escrevi sobre isso aqui. Schwarz atacou a convivência de muitos liberais do Brasil com a escravidão. Pensou, logo, numa relação paradoxal entre a estrutura da realidade nacional e o desenvolvimento das ideias liberais. Um equívoco, se percebermos que mesmo nas democracias mais desenvolvidas as ideias do liberalismo avançaram ao lado do cativeiro. 

Mas se as críticas do grande intelectual brasileiro vão para o lado errado, é correto interpretar um certo desconforto do liberalismo na formação do Brasil. Triunfou em nossas terras uma herança ibérica que priorizou o Estado patrimonial no lugar do mercado e da impessoalidade. Até hoje estamos debaixo de um gigantismo estatal paternalista, ao invés de passarmos para uma fase de mais responsabilidade individual e empreendedorismo. Isso tudo produziu um ambiente hostil às ideias liberais, dificultando o progresso da doutrina das liberdades, que sobrevive fora das universidades e sem grande capacidade organizativa. Além disso, se tivemos intelectuais liberais brilhantes como Roberto Campos, José Guilherme Merquior e Antonio Paim, por outro lado ganhou força nos últimos anos o liberismo tosco de gente do Partido Novo, do MBL e da Jovem Pan.

Digo isso tudo para tratar de uma pergunta: os liberais devem apoiar o governo Lula? Explicarei melhor a questão. 

Essa introdução serve para mostrar o quanto o liberalismo brasileiro pode ser débil e contraditório. Prova disso foram os dois últimos pleitos presidenciais, onde muitos liberais embarcaram com entusiasmo no barco do bolsonarismo. E não falo apenas de figuras caricaturais como Rodrigo Constantino, mas de perfis respeitáveis do pensamento social brasileiro, como Xico Graziano e Denis Rosenfield. O que levou esses destacados pensadores a apoiarem um personagem tão esdrúxulo e ao mesmo tempo perigoso como o ex-capitão?

Em 2022 os liberais sérios e consequentes se apressaram em apoiar Lula, em defesa da democracia, depois da terrível experiência bolsonarista. Participaram de um amplo pacto civilizatório. Tem uma turma que continua no campo bolsonarista, é verdade, mas são os paranóicos que temem uma Venezuela vermelha a invadir o Brasil. O liberalismo clássico qualificado, que aqui identifico, convive com a pergunta que fiz logo acima. Qual deve ser, afinal, a relação com o governo petista? 

Lula e o PT pertencem a uma tradição distante das ideias liberais. Suas relações com ditaduras, a sede por aparelhamento das instituições da República, o intervencionismo e o populismo são posicões opostas ao que defende o liberalismo. No entanto, é fatoque os governos de Lula dialogaram razoavelmente bem com a ortodoxia econômica, como nas poucas reformas aprovadas e no controle da inflação. Nos últimos dias, fora o bolsonarismo, todos os atores políticos votaram por uma reforma tributária que visa descomplicar o caótico modelo de tributos do nosso país. Antes disso, o Ministro Fernando Haddad já tinha avançado com um arcabouço fiscal que se preocupa com os gastos públicos.

Os liberais não tem uma entidade oficial a falar por eles, sequer tem partido. O Partido Liberal daqui abriga o protofascismo. Os liberais estão em think tanks e outras organizações da sociedade civil. Não acho que devam apoiar o governo, ele não é liberal. Tampouco devem partir para uma oposição sistemática. A posição do momento deve ser de independência, com críticas e apoios pontuais. Devem, agora, se concentrar na construção de uma alternativa política do centro liberal. Uma proposta que junte liberdade de mercado, democracia e constitucionalismo. É o que mais o Brasil precisa.

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