O que pensam os liberais sobre a ajuda do governo aos mais pobres?

 

Por Adelson Vidal Alves 

Pelos critérios do Banco Mundial, o Brasil tem por volta de 62,5 milhões de homens e mulheres (ou 29,4% da população do país) vivendo em situação de pobreza. Entre estas, 17,9 milhões (ou 8,4% da população) na extrema pobreza. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho) cerca de 190 milhões de pessoas estão sem trabalho no mundo, e para a FAO, algo em torno de 800 milhões no planeta passam fome. 

A revolução industrial rompeu o ciclo malthusiano (crescimento geométrico da população e aritmético dos alimentos), multiplicando em várias vezes a capacidade de produção e oferecendo alimentos em quantidade mais que suficiente para o planeta. Ainda sim, como vimos, milhões de pessoas passam fome. O sistema capitalista é o mais dinâmico da história, e gerou riqueza em dois séculos o que nenhum outro modo de produção foi capaz de fazer. Apesar disso, a pobreza no mundo segue indecente e inaceitável. O crítico literário José Guilherme Merquior, um dos mais respeitáveis liberais da história brasileira, foi perfeito ao dizer:  "O mercado se rege por critérios de eficiência e rentabilidade, não de justiça ou de equidade. Ele é um soberbo órgão de criação de riqueza, mas não um mecanismo competente de distribuição de renda". A economia de mercado, de fato, é muito superior aos seus modelos concorrentes na geração de riqueza, mas sozinha, sem interferência, pode gerar injustiças.

A questão social é um tema caro aos liberais que defendem o capitalismo de livre mercado. O que fazer diante dos milhões de seres humanos vivendo em condições de miséria e fome? Deve o Estado intervir com assistência social? Ou deveria ele apenas corrigir as "falhas de mercado" e deixar que o próprio mercado corrija essas injustiças? A assistência estatal aos pobres é moralmente aceitável ou viola as liberdades individuais por transferir impostos entre pessoas sem consentimento dos indivíduos? Seria a caridade privada o melhor modelo a se tratar os problemas sociais do planeta? Há uma única resposta liberal para essas questões?

Adam Smith (1723-1790) e Alexis de Tocqueville (1805-1859) são dois dos grandes nomes do liberalismo clássico. Ambos entendem que a assistência privada é eticamente a melhor maneira de lidar com os necessitados. A ajuda estatal seria imoral, pois é uma medida compulsória que desrespeita as decisões voluntárias. Já a historiadora americana Gertrude Himmelfarb (1922-2019) liga a dependência das políticas estatais de bem estar social a "famílias fragmentadas, crimes, abandonos escolares". O Estado, na concepção de Gertrude, assumiria a função do pai provedor, desarticulando o ambiente familiar. 

Franklin Roosevelt (1882-1945) foi o presidente americano responsável por amenizar os danos econômicos promovidos pela grande crise de 1929. Ele recorreu ao New Deal, um programa de governo intervencionista, que deu protagonismo do Estado na geração de empregos perdidos durante a crise. O New Deal foi idealizado a partir das ideias do economista John Maynard Keynes (1883-1946). Rooseveld e Keynes eram liberais, e o presidente deu a seguinte declaração: "uma dependência excessiva do auxílio induz a uma desintegração moral e espiritual fundamentalmente destrutiva do caráter nacional". O já citado Adam Smith, apesar de crítico das regulamentações estatais, certa vez defendeu intervenção do governo na garantia de pagamento dos trabalhadores em dinheiro, não em mercadorias. O intervencionista Rossevelt alertou sobre os riscos do Estado de Bem estar social construído por ele, e o o pai do liberalismo econômico fez defesa da interferência estatal. Isto mostra o quanto a posição dos liberais podem mudar com as circunstâncias. 

No entanto, uma coisa precisa ser dita contra as mentiras dos críticos do liberalismo. Mesmo os liberais clássicos da economia sempre se preocuparam com o problema dos pobres. Já falei de Smith, posso citar o neoliberal Milton Friedman (1912-2006) que propôs um programa ambicioso de renda mínima no seu famoso livro "Capitalismo e liberdade". E não pensem os senhores que o principal programa social do governo Lula, o Bolsa Família, foi obra de petistas. Ao contrário, os idealizadores do auxílio foram liberais como Marcos Lisboa e Ricardo Paes de Barros. 

De minha parte, acho que todos os argumentos aqui trazidos são válidos. A interferência do Estado na assistência social de fato viola a liberdade individual. Em poucas palavras, o governo pega o imposto de quem está trabalhando e transfere para quem não está. Além disso, quando a rede de proteção social é ampla e permanente, de fato pode criar inteiros grupos a viver da ajuda governamental, nas custas de quem produz. Por fim, uma dependência extensiva mexe na autoestima dos próprios dependentes. Não só liberais pensam assim, lembre de Frei Betto, então assessor especial de Lula e um dos principais nomes da esquerda católica. Ele deixou o governo quando viu que um programa puramente compensatório, como é o Bolsa Família, substituiu  o Fome Zero, que tinha mecanismos para retirar os dependentes da condição de dependência. Ele entende que os projetos sociais precisam de uma porta de saída.

Enfim, para combinarmos responsabilidade social e liberdade individual, gerando ao mesmo tempo benefícios coletivos, é melhor que a caridade privada seja tratada não só como instrumento de redução de danos, mas como elemento de integração social e construção de solidariedade nacional. No entanto, são necessárias ainda políticas sociais de governo, estas que devem sempre ser sempre temporárias e pontuais. Dependência eterna do Estado é péssimo para todo mundo, e no fim acaba por servir de moeda eleitoral para políticos inescrupulosos.

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