Como saber se sou um conservador?

 

Por Adelson Vidal Alves*

Nos últimos anos temos presenciado uma "febre conservadora". Os eleitores de Bolsonaro batem no peito orgulhosos de serem patriotas e defensores da família, contra a ameaça dos "globalistas"e da "ideologia de gênero". A alguns destes perguntei se já tinham ouvido falar de Russell Kirk, Roger Scruton ou T.S. Eliot. A maioria respondeu: quem? 

O conservadorismo filosófico é pouco conhecido nos meios populares brasileiros. O cristianismo e a religião em geral acabam sendo a principal diretriz do comportamento dos ditos conservadores. Mas, afinal, como saber se sou um conservador? 

Vou deixar de lado debates mais profundos quanto as raízes e localizar a gênese moderna desta filosofia em um livro bastante importante: Reflexões sobre a revolução na França, do britânico Edmund Burke. Nele, o autor faz críticas fortes à revolução francesa, vindo a exaltar a tradição britânica. O jacobinismo, o terror, a guilhotina seriam tão somente a barbárie das utopias de mundos perfeitos fabricada pelo racionalismo. O conservadorismo, podemos dizer, é anti-iluminista por nascença, muito mais preso à tradição e aos costumes. Aqui discordo de Gertrude Himmelfarb, a grande historiadora que viu conservadores no iluminismo, sendo eles parte de uma vertente das luzes valorizadora de outras virtudes além do simples culto da razão.

Ser conservador não significa parar no tempo. O próprio Burke falava sobre a necessidade de mudança. No entanto, tais mudanças deveriam ser feitas de forma gradual e prudente. Segundo Michael Oakeshott, o grande pensador inglês "ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica". O conservadorismo vela pela preservação por entender que precisamos valorizar o que deu certo no teste do tempo, não projetando ideais que só cabem em projetos abstratos.

O conservador, ainda, valoriza o pertencimento comunitário. Edmund Burke falou em "pequenos pelotões", grupos associativos menores, de onde nasceria a melhor organização da sociedade. Rejeitam, assim, o cosmopolitismo que propõe um mundo aberto sem fronteiras, com imigrações sem controle e mudanças rápidas produzidas pelo fluxo cultural que nasceria um uma ordem planetária sem obstáculos econômicos e nacionais. 

Os conservadores no geral são céticos quanto à natureza humana, o que faz deles descrentes na possibilidade de uma ordem social perfeita. Somente racionalistas utópicos acreditariam em mundos perfeitos feitos por seres humanos imperfeitos.

Nos círculos conservadores se discute o papel do capitalismo, chamado "sociedade comercial". Para alguns, a dinâmica capitalista e sua natural lógica globalizadora seria naturalmente anti-conservadora, pois incentivaria a destruição de tradições enraizadas no solo da nação, da pátria e da comunidade. Em outros intelectuais conservadores, no entanto, o comércio, a propriedade privada e o funcionamento do mercado já são parte da história do Ocidente, não havendo contradição entre capitalismo liberal e conservadorismo.

As religiões e sua metafisica são geralmente palco natural do conservadorismo, como filosofia de vida e ação cotidiana. Mas a atuação conservadora pode atingir mesmo os que se dizem progressistas. Quando optamos por opções mais prudentes, mais familiarizadas e menos ambiciosas, estamos agindo de forma conservadora. Assim, podemos ser conservadores em decisões pontuais, ou abraçar os princípios do conservadorismo filosófico, tratando-o como orientação teórica de vida.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os brancos cristãos escravizados por muçulmanos que a historiografia esqueceu

O identitarismo está construindo uma nova história do Brasil

VILA AMERICANA: POR QUE VOTO NA CHAPA 2