Alguém aí quer voltar para a Idade Média?

 


Por Adelson Vidal Alves 

"Havia, em uma palavra, por trás de toda vida social, um fundo de primitividade (...) A mortalidade infantil não deixou de endurecer os sentimentos locais em relação a lutos quase normais. Quanto a vida dos adultos , ela era, até mesmo independentemente dos acidentes de guerra, relativamente curta (...) Entre tantas mortes prematuras, muitas se deviam a grandes epidemias (...) Associadas às violências diárias, essas catástrofes davam à existência como que um gosto de precariedade perpétua"

O cenário descrito acima faz referência à vida na sociedade feudal da Idade Média. As palavras são do historiador francês Marc Bloch no seu clássico "A sociedade Feudal".  A servidão, a inquisição, a péssima infraestrutura, a precariedade sanitária e o obscurantismo completam esse ambiente tenebroso medieval. Bloch termina: "Deve-se acrescentar a insegurança, aumentada pelo despovoamento que ela própria havia, em parte, provocado (...) Comparada ao que nos oferece o mundo contemporâneo, a rapidez dos deslocamentos humanos, naquela época, nos parece ínfima". 

Tratar a Idade Média como "Idade das Trevas" está fora de moda faz tempo. Mesmo em meio a uma mentalidade religiosa e controlada pela Igreja, a criatividade se fez presente em várias invenções, na arte e até mesmo na filosofia. Sua duração de mil anos conheceu momentos distintos, até o aparecimento das cidades e do comércio aberto pelas cruzadas. A aliança da burguesia revolucionária com o rei estabeleceu o advento da Idade Moderna e sua centralização política. No entanto, a grande revolução mesmo viria entre os séculos XVII e XVIII com a industrialização. O iluminismo e sua defesa da razão e do progresso abasteceu teoricamente as mudanças que fariam do mundo um lugar melhor para se viver. O capitalismo industrial impulsionou como nunca o desenvolvimento e o conforto para milhões de pessoas. 

Há quem diga que nos tempos atuais as coisas estão regredindo, com a barbárie prevalecendo sobre a civilização. Os críticos do capitalismo demonizam o modo de produção que mais reduziu a miséria e as desigualdades, que incentivou o progresso tecnológico e garante  oportunidades de mobilidade social. Não é o paraíso, claro. Com as máquinas vieram os problemas climáticos, o mercado de trabalho competitivo cria rivalidades e problema psíquicos, a concentração de riqueza ainda é brutal e imoral. Mas uma análise histórica com outros tempos baseada em dados não deixa dúvida dos nossos avanços. Um operário hoje vive melhor que o Papa na Idade Média.

O cientista cognitivo Steven Pinker tem um otimismo que considero exagerado. Contudo, seu livro "O Novo iluminismo" confirma em gráficos o quanto o mundo progrediu nos últimos séculos, com enormes avanços na média de vida, na educação, na saúde e até mesmo no Meio Ambiente. A razão e a ciência construíram uma nova humanidade, vivendo com as melhores condições de existência da nossa história. 

Progressos sempre aconteceram, desde a pré-história que evoluímos. Mas não se compara a vida dos antigos caçadores-coletores conosco. Não se compara o feudalismo com o capitalismo. Ninguém quer voltar para a Idade Média. 

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