SIGNIFICADO E LEGADO DAS JORNADAS DE JUNHO DE 2013




Por Adelson Vidal Alves 

São dez anos desde o início das grandes manifestações populares de Junho de 2013. Elas tiveram início a partir de reivindicações para o transporte público, de orientação nitidamente de esquerda, a partir da ação do MPL (Movimento Passe Livre). Mas a revolta se expandiu, incorporou elementos de direita, conservadores e até reacionários; grupos que iam de anarquistas até monarquistas. No final, no entanto, prevaleceu o eixo conservador e anti-institucional, com consequências ainda nos dias de hoje.

Marcos Nobre, um dos mais proféticos analistas políticos da atualidade, publicou na Folha de São Paulo um interessante balanço desses anos, fazendo uma crítica à narrativa predominante na esquerda: a de que Junho teria sido o "ovo da serpente". O Partido dos Trabalhadores, segundo Nobre, preferiu redirecionar a crítica para fora, ao invés de fazer uma análise interna. Escreve ele "A demonização de Junho vai de par com a incapacidade do PT e do campo mais amplo da esquerda de formular propostas viáveis de rumo e canalização institucional para a energia das ruas"

De fato, o PT mais uma vez se abstém da autocrítica, optando por responsabilizar acontecimentos externos a ele. Ainda que seja verdade a influência desses fatos em acontecimentos posteriores como o crescimento do lavatismo e a prisão de Lula, não se pode negar os erros da principal força da esquerda brasileira, incluindo suas avaliações dos protestos. Vale lembrar que dentro dos protestos haviam setores esquerdistas. Como bem observou o sociólogo Celso Rocha de Barros: "Bom deixar claro: o Movimento Passe Livre não obrigou Dilma Rousseff a bagunçar o orçamento para se eleger em 2014. Nenhum black bloc obrigou a direita a fazer o impeachment de 2016. As empreiteiras não pagavam as campanhas dos partidos em Cubocards. Moro e Dallagnol não mutretaram o julgamento do Lula a pedido da militante Sininho. Não foi o Mídia Ninja que elegeu Bolsonaro"

Não foram forças metafísicas do mal que dirigiram os atos e nos entregaram Bolsonaro e a extrema-direita. Em meio a multidões de pessoas de todas as classes e cor havia gente legitimamente insatisfeita, mesmo que não sabendo com o que. Em um dos cartazes levantados nos protestos podia se ler: "Estou tão p* que fiz um cartaz". Não importa com o que, o importante era ir às ruas e reclamar. Aqui talvez resida alguma coisa de psicologia. Ir às manifestações significou para muitos fazer parte da história, ser incluído entre aqueles que estavam lutando pelo país. 

As Jornadas de Junho não nasceram do nada. Elas vieram no embalo de uma nova conjuntura social, com o advento da força das redes sociais. No mundo manifestações espontâneas, ou relativamente espontâneas, aconteceram na Grécia, na Espanha, nos Estados Unidos e no mundo árabe. Era uma nova forma de organização popular, horizontalizada e conectada, agindo contra regimes ditatoriais mas também em grandes democracias.

No Brasil os Partidos políticos foram hostilizados, a democracia liberal e suas instituições declaradas culpadas por um cenário econômico e político que nem estava tão ruim assim. Sem um eixo organizador, sem proposta de diálogo com o poder constituído, as multidões só conseguiram barrar algumas ações em curso, ganhar a atenção da presidente Dilma e da classe política. Trazendo Gramsci para cá, eu diria que as manifestações não saíram de sua versão corporativa, e sem uma dimensão universalizadora e consciente, nenhuma grande mudança foi visível.

No entanto, isso não quer dizer que Junho de 2013 tenha dado em nada. A popularidade da Lava Jato e seus atores só aconteceu com o combustível da demonização da política que lá ganhou força. Juízes e procuradores viraram heróis, enquanto os políticos, verdadeiros demônios. Com isso, uma figura política altamente carismática foi presa sem resistência popular significativa, a presidente caiu, o radicalismo de direita pegou corpo. Visões autonomistas do campo progressivo tiveram seus minutos de fama, durando pouco. A única do campo progressista que parecia ter tido ganho político no campo foi Marina Silva, que um ano depois disputou a presidência da República na parte de cima dos presidenciáveis. A Rede Sustentabilidade, partido inspirado no Podemos espanhol, tentou ser a expressão partidária desse momento, mas fracassou. 

O fortalecimento da direita nas ruas deu espaço para grupos radicais de tipo fascista e também para ultraliberais. Quem não se lembra do "Menos Marx, mais Mises"? Pela primeira vez pode se ver jovens da direita liberal rivalizando com a esquerda nas ruas. Em 2018, o candidato da extrema-direita foi buscar no neoliberalismo sua proposta econômica, com Paulo Guedes. Mas não passou de ilusão, o MBL que tentou ser a voz dessa nova geração de liberais ficou pequeno, Guedes teve pouco de suas ideias implementadas. O governo eleito não era liberal, era altamente estatista. 

Mas eis que 2022 parece querer encerrar o legado de Junho. A eleição de Lula junto com a derrota de Bolsonaro e a decadência dos principais nomes da Lava-jato sinalizam para novos tempos. Não podemos, contudo, esquecer da força da extrema-direita no Congresso e na sociedade, que demonstra resiliência e fôlego. 

O jogo político da democracia voltou a certa normalidade, com a mentalidade nacional ainda contaminada com aversão à democracia e a classe política tradicional. Seriam elementos de Junho 2013 que sobreviveram? Alguma chance de que o espírito daquele ano retorne? Só o tempo responderá.

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