O tempo das grandes revoluções acabou?

 


Por Adelson Vidal Alves 

14 de Julho é feriado na França. Os franceses comemoram a queda da Bastilha, prisão símbolo do absolutismo. A data também é referência histórica para a Revolução Francesa, a revolta que demoliu o Antigo regime, promoveu conquistas para a burguesia e inaugurou a Idade Contemporânea. 

"Há na Revolução Francesa um caráter satânico", escreveu Joseph de Maistre em Considerações sobre a França. De Maistre foi um pensador alinhado à monarquia hereditária e defensor do poder político papal. Para ele, a agitação no país europeu destruiu elementos fundamentais da sociedade francesa e, na verdade, teria sido um castigo divino.

Não foram apenas reacionários contrarrevolucionários que criticaram a Revolução Francesa. Edmund Burke, pai do moderno conservadorismo, fez robustas reflexões sobre a violência revolucionária que atingia a França. O resultado de seu pensamento está registrado em Reflexões sobre a Revolução na França, onde é exposta a interpretação conservadora daquele evento histórico. O pensador irlandês criticou o espírito revolucionário, "como pudessem recomeçar do zero" a sociedade francesa.  Burke valorizava o pacto entre nós (os vivos), com os mortos e os que ainda nascerão. Seria nosso dever conservar as instituições que "sobreviveram ao teste do tempo" ao invés de destruir tudo em utopias racionalistas. 

Revoluções são parte da história humana. Elas não são necessariamente violentas, e são identificadas pelas mudanças que promovem. Nos tempos do neolítico aconteceu a revolução agrícola, responsável pela fixação de nossa espécie em moradias estáveis. Atravessamos a Revolução científica, industrial e hoje vemos uma profunda revolução tecnológica. Todo esse processo foi importante na evolução do nosso bem estar.

Revoluções políticas e sociais também aconteceram, e deixaram legados nem sempre virtuosos. Em Cuba a revolução contra a ditadura de Fulgêncio Batista gerou outra ditadura; o mesmo aconteceu na China maoísta. No Irã, a Revolução islâmica desembocou em uma teocracia homofóbica e fundamentalista. Mudanças não significam necessariamente  melhorias. 

A aventura revolucionária é própria da juventude, quando queremos mudar o mundo a partir de sonhos que cultivamos e planejamos. Não é comum ser conservador enquanto jovem. Será a experiência da vida que nos indicará o caminho da prudência e da cautela, o choque de realidade que nos faz acordar para o fato de que a natureza humana é imperfeita e paraísos sociais não existem. Aceitamos que mudar às vezes é necessário, mas que transformações abruptas quase sempre geram problemas.

O século XX foi o século das revoluções. Não só comunistas e anarquistas sonharam com novos modelos de sociedade, libertários ousaram revolucionar as relações sexuais e formas de comportamento, contra as tradições e os dogmas moralistas da época. A desordem revolucionária produziu reflexões sobre a liberdade e também provocou a ira de quem prefere a estabilidade que a ordem constituída geralmente traz.

A meu ver, é a dosagem e o percurso das mudanças a grande vacina contra o devaneio revolucionário radical, sempre destrutivo e autoritário. O apelo pelo novo deve percorrer a trilha do reformismo, que se dá geralmente em ambientes mais cautelosos e democráticos. A história não volta atrás e nem pode ficar eternamente estacionada. Porém, os revolucionários querem apressar um futuro idealizado, e por isso muitos cometeram equívocos graves, com consequências terríveis. 

Revoluções sangrentas já não cabem no século XXI. A violência insana do passado parece ter cedido a formas mais pacíficas e consensuais de mudanças. É um amadurecimento que traz o tempo histórico, a elevação da humanidade a um novo patamar civilizacional. Obviamente que isso não quer dizer que desapareceram as utopias delirantes por sociedades perfeitas, nem a violência revolucionária cessou completamente. O que temos  diante de nossos olhos é um quadro histórico onde a força do bom senso reformista tem vantagem sobre o espírito arrebatador dos revolucionários. É um avanço cívico considerável a ser conservado e ampliado, 

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