O significado do imperialismo é discutido desde Marx, Lênin e Hobson até grandes historiadores contemporâneos



Por Adelson Vidal Alves 

O filme brasileiro Medida Provisória inicia com uma cena um tanto quanto utópica. Uma senhora negra indo ao banco para receber a indenização em dinheiro pelos anos de escravidão dos seus ancestrais. A ficção, no entanto, repete a iniciativa real de muitos em tentar construir uma reparação histórica em espécie para as "vítimas do imperialismo". 

Em 1999 a Comissão da Verdade do Mundo Africano Para Reparaçôes e Repatriamento, reunida em Acra, aprovou a exigência de uma indenização de US$ 777 trilhões a ser paga pela Europa e todos que se beneficiaram com o comércio de escravos. Ideias esdrúxulas como essa foram incentivadas inclusive pela ONU.

O imperialismo como conceito histórico surgiu no início do século XX, com a publicação de Imperialism: a Study, de J.A.Hobson. A explicação de Hobson é a que predomina até hoje nos livros didáticos. Os capitalistas precisavam de novos mercados estrangeiros, já que o capital excedente necessitava de outros locais de investimento. O capitalismo, então, produziu o imperialismo. 

A tese de Hobson influenciou pensadores marxistas como Rosa Luxemburgo e Lênin. O imperialismo no marxismo passou a ser um "estágio avançado do capitalismo", como denominou o revolucionário russo. Apesar de Hobson nunca ter ligado a necessidade de evasão do capital ao capitalismo, foi assim que o marxismo-leninismo começou a tratar essa situação toda. 

Nos anos 60 do século XX dois historiadores britânicos resolveram problematizar o imperialismo para além da esquemática explicação marxista. J. Gallagher e R. Robinson publicaram África and the Victorians. Henri Brunschwig, pouco antes, já tinha escrito um ensaio de reexame dos imperialismos francês, italiano, alemão, belga e português. Brunschwig chegou a conclusão de que explicar o imperialismo francês pelo aspecto econômico seria um erro, por um motivo simples: ele não compensava economicamente.

Na mesma linha vão outros dois grandes historiadores americanos, L.Davis e R. Huttenback, que reuniram dados e procuraram responder a questão sobre as vantagens econômicas do imperialismo para as metrópoles. Eles chegaram a mesma resposta: não era vantajoso. Suas conclusões foram publicadas no livro Mammon and the Pursuit of  Empire. 

O pesquisador parisiense Jacques Marseille, então, rompeu as relações entre capitalismo e colonialismo. O professor Henk Wesseling foi certeiro: "O fim do império em 1960 foi uma bênção para o capitalismo".

O movimento anticolonial é radical em sua crítica, segundo o qual a pobreza de várias regiões do mundo é fruto da ação imperialista do capitalismo europeu. A "missão civilizadora" ocidental seria tão somente retorica para a ambição econômica da Europa. Só que tal análise anti-imperialista carece de sustentação, não só porque a descolonização foi um fracasso para as ex-colônias como o próprio imperialismo trouxe custos nem sempre vantajosos para os impérios. 

A discussão dos benefícios históricos do imperialismo não é coisa apenas da extrema-direita, como muitos tem dito. É conhecida a posição do filósofo Karl Marx a favor do colonialismo britânico na Índia. Mais que isso, o fundador do socialismo científico usou termos depreciativos para aldeias indianas, tratadas como o símbolo do modo de produção asiática. A posição de Marx constrange até hoje muitos dos seus discípulos, que "desde então fazem malabarismos tentando explicar que o Velho realmente não quis dizer o que claramente disse" como escreveu o pesquisador e membro do Emmanuel College, o professor Gwyn Prins. 

O sistema colonial cometeu atrocidades, mas por outro lado trouxe "desenvolvimentos de longo prazo, que resultaram de investimento na infraestrutura (mineração, estradas, portos), na melhoria da administração, da educação e da saúde", nas palavras de Wesseling. Esses benefícios da colonização são estudados em trabalhos robustos vindos de conservadores como Bruce Gilley e Nigel Biggar, mas mesmo um crítico do imperialismo britânico como George Orwell admitiu que "a vida no império britânico era de muitas formas melhor do que a vida fora dele". Posição semelhante teve o romancista Chinua Achebe, considerado o pai da literatura nigeriana moderna, que declarou: "Os britânicos governaram sua colônia na Nigéria com cuidado considerável (...) Ninguém era consumido pelo medo de sequestro ou assalto a mão armada. Tinha-se muita confiança e fé nas instituições britânicas. Agora, tudo isso mudou".

Acadêmicos como Niall Ferguson defendem novas formas de imperialismo, empreendimentos de auxílio no desenvolvimento de várias partes do planeta. Ferguson quer protagonismo americano, uma ação intervencionista prolongada dos EUA em algumas nações. No entanto, a potência do Norte nega essa missão. Sabe que os gastos e os riscos são altos. O imperialismo não foi uma maravilha para a Europa, nem a descolonização foi o advento de um novo mundo justo e igualitário. É uma constatação que incomoda, mas que precisa ser debatida sem dogmas. Esse debate existe, mas muita gente quer esconder.


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