Não importa mais ser de esquerda ou de direita, o importante é ser democrata



Por Adelson Vidal Alves 

Os termos esquerda e direita, no vocabulário político e ideológico, tem raízes na Revolução francesa, quando no lado esquerdo da Assembleia Constituinte estavam os grupos que propunham mudanças mais profundas na França, e no lado direito, os mais conservadores. Desde então, ser de esquerda é ser contestador, brigar por mudanças a favor dos de baixo, enquanto a direita defenderia a conservação de determinados modelos e estruturas socioeconômicas.

Do ponto de vista conceitual, me contento com a definição mínima do filósofo italiano Norberto Bobbio, que discutiu tais conceitos no seu livro "Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma Distinção Política ". Para Bobbio, a essência em ser de esquerda está na defesa central da busca por igualdade. A direita seria mais tolerante com as desigualdades, focando a questão da liberdade. Vale dizer que tanto esquerda quanto direita são conceitos que abrigam dentro de si variedades. Podemos falar de uma esquerda reformista ou revolucionária, de uma direita liberal ou fascista. Há, ainda, a noção de centro político, que passaria pelos dois lados, ou seria a síntese de ambos. 

Recentemente surgiu no debate público a proposta pós-moderma de abolição dos termos esquerda e direita. O relativismo pósmodernista prega que tudo depende das circunstâncias. A esquerda no poder viraria direita, e a direita na oposição viraria esquerda. Tudo questão de poder.

Não concordo com essa tese. É verdade que no governo os partidos de esquerda não conseguem implementar na íntegra o que está nos seus programas, principalmente nas democracias pluralistas, onde são necessárias as composições de forças políticas distintas. Os partidos de direita na oposição simplesmente fazem oposição. Criou-se a falsa ideia de que protestar e criticar são comportamentos próprios da esquerda. A verdade é que o lugar e o contexto podem sim aproximar direita e esquerda, mas as diferenças seguem visíveis, quando nos programas sociais se percebe claramente uma diferença entre a esquerda, que usa mais os recursos do Estado na correção das desigualdades e a direita, que aposta mais nas forças de mercado. 

Há quem entenda direita e esquerda como posição. Não existiria propriamente partidos de direita e esquerda, pessoas ou organizações de esquerda e direita, mas posicionamentos. É possível que um partido dito de esquerda tome medidas ditas de direita, como fez o PT no governo  em 2003, acolhendo as diretrizes liberais na economia.

De minha parte, tenho valorizado mais uma outra dicotomia: democracia x autocracia. Aqui, para mim, está inserida a grande questão moral dos nossos tempos. Podemos perceber esse dilema na guerra da Ucrânia. Putin é um ditador reacionário homofóbico que invadiu um país independente com fins imperialistas. Sua guerra de agressão tem apoio de regimes teocraticos do Islã, como o Irã, direitistas xenófobos como Viktor Orban, mas também de governos com retórica esquerdista como a Nicarágua sandinista e a Venezuela Bolivariana. Em comum entre esses atores políticos está o apreço por práticas autoritárias.

No campo acadêmico e das ideias tem se feito o debate sobre o real significado da democracia. Setores da esquerda consideram a democracia um nstrumento a ser utilizado e logo depois descartado, quando a revolução socialista tiver triunfado. Mas há também os que dão a ela caráter universal, tese trazida ao Brasil pelo marxista brasileiro Carlos Nelson Coutinho. Ele representa um campo de pensamento que alinha esquerda e liberdade, e que politicamente é chamado de esquerda democrática. Por aqui, no entanto, tem popularidade ideias de uma "esquerda totalitária", para usar o termo de Ruy Fausto. Falo aqui das reflexões de intelectuais como Alain Badiou e Slavo Zizek. 

Penso que esquerda e direita podem e devem dialogar com civilidade na esfera democrática,  disso temos exemplo na história. Na Itália da década de 70 Democratas cristãos e Comunistas estabeleceram compromissos democráticos, fazendo uma disputa política cívica e pacífica, até a ação delinquente do terrorismo de esquerda e direita. Caso emblemático foi o sequestro e assassinato do ex-primeiro ministro Aldo Moro por terroristas de esquerda. O maior interlocutor da DC com o Partido Comunista Italiano perdia a vida para o chamado "terror vermelho" que rivalizava com o "terror negro"p da direita italiana, tudo isso acontecendo em um regime de "democracia de partidos". A violência autoritária de direita e esquerda sabotava o pacto democrático estabelecido pelas forças civilizadas do país.

O mundo contemporâneo traz como grande desafio a convergência de todas as forças políticas para o campo da democracia, onde os conflitos são solucionados pela via das leis. Assim, tanto faz ser de esquerda ou de direita, o importante é ser democrata. 


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