"Língua submersa", de Manoel Herzog, narra uma terrível distopia brasileira




Por Adelson Vidal Alves 

Sou apaixonado por distopias, mas também tenho meus medos. Até porque, muito dessa literatura carrega alto grau de possibilidade de realização. A tecnologia reprodutiva do "Admirável mundo novo" de Huxley, o totalitarismo de "1984" de George Orwell e os livros queimados de "Fahrenheit 451" de Ray Bradbury já tem muito de real no nosso presente. Mas existiria algo pior que um futuro dominado por chineses e evangélicos?

Em "Língua Submersa", de Manoel Herzog, é contada a história da Boliviana-Zumbi (de Bolívar, do indígena e Zumbi, do africano), a nação sulamericana que emerge de uma grande catástrofe ambiental. Na verdade, a inundação não foi um acidente ecológico como se conta nos livros, foi uma sabotagem chinesa. Em Boliviana se fala o portunhol (o português é proibido e amaldiçoado), a moeda é a "bênção" e o poder está nas mãos da Eclésia, o poder teocrático neopentecostal que dirige a vida e os tribunais em aliança com a China socialista. 

Na parte de baixo da sociedade zumboliviana estão os noias, verdadeiros párias
a peregrinar drogados pelos guetos em busca de orgia e vida delinquente. Nas leis da Boliviana há penas terríveis para os que fazem mal a natureza. As penas de morte ocorrem em rituais cruéis para aqueles que cortam árvores ou comam o que não deveriam comer. 

A hipocrisia e a corrupção fazem parte do cotidiano desse país. O moralismo que chega a proibir rigorosamente o divórcio convive com a promiscuidade sexual que corre solta em bordéis frequentados por membros da elite. Traições, drogas e assassinatos misturam os cidadãos e noias, os líderes e os párias dessa pátria distópica que substitui o Brasil, nome proibido, já que é vergonhoso uma nação ter o nome de uma planta extinta pela ação dos colonizadores. A língua portuguesa está extinta, é a língua submersa. 

O romance de Herzog é curto, com menções diretas à nossa realidade. Do ponto de vista literário não chega a ser formidável. Mas, em linguagem acessível e agradável, narra uma distopia terrível em nossa terra que provoca reflexões sobre os perigos do fundamentalismo. Uma boa leitura.

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