As ideias da Rússia reacionária que desafiam o Ocidente

 


Por Adelson Vidal Alves 

Petr Yakovlevich Chaadayev, ou Peter Chadaev, escreveu em francês as oito "Cartas filosóficas", que causaram barulho no meio da inteligência russa do início do século XIX. Nestes manuscritos havia uma crítica ácida ao passado russo e a fé ortodoxa, vistos como pontos de atraso frente aos elementos avançados da cultura europeia. Antes de Chaadaev, Pedro, o Grande, já tentara inserir a Rússia no mundo moderno, a partir de influências ocidentais. Contra tais ideias e movimentos modernizadores surgiram os eslavófilos.

Os chamados eslavófilos se opunham aos ocidentalizantes russos. Estes últimos pensaram a história a partir da ótica do progresso e da laicidade. Os primeiros queriam uma Rússia simples, ancorada no imaginário das comunidades. O eslavofilismo, que tinha nomes como Aleksei Khomiakov, preferia o ideal comunitarista de beleza e simplicidade, preso a um certo conservadorismo religioso. Os adeptos do ocidentalismo se apegaram ao modelo evolucionista que sustentaria a inevitabilidade da evolução russa, onde a servidão e o arcaico czarismo seriam derrotados. 

A revolução russa de 1917 se inspirou na teoria de uma ideologia ocidental e iluminista, o marxismo. No entanto, seu desenvolvimento guardou aspectos próprios da história hierárquica da política czarista, longe de qualquer expectativa democratizante. O poder concentrado conviveu com o desenvolvimentismo da economia soviética planificada. Somente com a derrocada final da URSS as perspectivas democráticas voltaram à agenda da Rússia, mas logo desapareceram. A abertura liberal não veio, o afastamento da Europa persistiu. 

Com a chegada de Vladimir Putin ao poder central do país a Rússia se distanciou definitivamente da Europa Ocidental e dos EUA. Putin é um autocrata homofóbico ex-agente da KGB. Com ele chegam ao poder ideias ultranacionistas reacionárias e expansionistas. O sonho de um império russo a ser restaurado é alimentado pela ascensão militar russa, que agora se aventura na Guerra da Ucrânia. 

O conflito no leste europeu tem raízes econômicas e geopolíticas, mas também se movimenta por ideologias próprias do pensamento russo, como o eurasianismo. A perspectiva eurasiana se dá pela afirmação de que a Rússia é uma civilização ímpar que não é nem europeia e nem totalmente asiática. Os eurasianos defendem a construção de uma ordem global multipolar, sem o domínio unipolar americano. Nessa linha vão filósofos como Alexander Dugin, um possível influenciador da política externa do Kremlin. 

As ideias de Dugin são uma mistura bizarra de ultranacionalismo, reacionarismo, tradicionalismo e esoterismo. O cientista político eurasianista tem um ódio severo contra tudo que lembre a cultura ocidental, sendo um dos maiores entusiastas da indecente intervenção russa na Ucrânia. Ele vê ali mais que uma guerra militar regular, mas uma batalha espiritual entre o bem, representado na tradição russa, contra o demônio decadente da forma de vida do Ocidente. 

Dugin também entende o liberalismo como o grande inimigo ideológico da Mãe Rússia. Autor do livro "A quarta teoria política" ele entende ser necessário superar as grandes narrativas políticas do século XX. Em suas teses confusas chegou a promover a criação de um partido nacional-bolchevique, onde a bandeira combinava cores e símbolos do nazismo e do comunismo. Em comum estaria a luta contra o individualismo liberal e a defesa da recuperação do coletivo, do povo. 

Putin, o agressor, bebe das teses eurasianas, e também namora princípios do fascismo no passado russo. É visível a influência de Ivan Ilyin, pensador religioso e defensor das ideias nazifascistas. Ele era um crítico da democracia, vista como algo desvirtuoso, e pregava que judeus e bolcheviques faziam parte de uma mesma substância decadente, tal como pensava Hitler.

Ivan Ilyin tinha ainda repulsa pelos valores ocidentais, era defensor da exportação das supostas virtudes do povo russo. Quando falava nos ucranianos usava aspas, e dizia que eles eram parte de um organismo, o “organismo russo”. Tal como Putin, negava direito da Ucrânia em constituir um Estado soberano. 

Na história cultural da Rússia confrontam-se momentos de busca por desenvolvimento aos moldes ocidentais e pensamentos reacionários ou ultraconsevadores de preservação de valores ingênuos e comunitários. No dias atuais tem força o tradicionalismo russo de caráter expansionista, a desafiar a hegemonia ocidental, vista como decadente pelos ideólogos que dizem combater o atlantismo em nome de uma nova ordem mundial.

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