A democracia respira

 


Por Adelson Vidal Alves 

As eleições presidenciais de 2018 levaram Jair Bolsonaro ao posto máximo da república brasileira, vencendo em segundo turno o petista Fernando Haddad. O até então parlamentar do baixo clero de narrativa autoritária torna-se o chefe máximo da nação, provocando grande inquietação nos setores democráticos da nossa  sociedade. A democracia no Brasil estaria ameaçada? Quatro anos depois, o sufrágio popular derrotou os tempos de tensionamento autoritário no país, mas sem responder definitivamente à questão da saúde democrática nacional. 

O historiador Alberto Aggio está lançando “Ainda respira...A democracia sob ameaça” (Ed.Appris), livro que reúne artigos e ensaios publicados por ele entre 2018 e 2022. O trabalho apresenta um conjunto de análises históricas do autor construídas em contextos particulares, mas sem prejuízo para sua validade atual, de dimensões proféticas, inclusive. Aggio atravessa um conjunto de ângulos analíticos plurais, centralizados, sempre, em sua defesa e preocupação com os rumos da democracia no nosso país. 

O autor dedica grande parte de suas reflexões ao perigo autoritário da aventura bolsonarista, que teria ganhado fermentação com as jornadas de junho de 2013, onde milhões de pessoas foram às ruas indignadas com a situação do Brasil, alimentando uma fúria coletiva dirigida às nossas instituições democráticas. Tratava-se de uma mobilização relativamente espontânea de contéudo hostil à política, particularmente a política democrática, que por aqui estabeleceu-se e solidificou-se com a aprovação da Carta constitucional de 1988.

O livro aborda os perigos autoritários que enfrentamos, em inúmeras avaliações do percurso tenebroso dos tempos bolsonaristas, analisando a escalada deste período em momentos distintos, porém sempre marcados pela retórica golpista do governo. Mas chama atenção o olhar amplo dado pelo autor ao processo de gestação desse problema, onde a responsabilidade da crise em nossa democracia alcança variados fatores, inclusive com certos e evidentes equívocos do Partido dos Trabalhadores, principal representação política de esquerda, porém inclinada desde sempre a adjetivações classistas da democracia, na contramão de uma concepção universalizante desta. Se a a vitória de Lula foi um “alívio”, na percepção do próprio autor, vale ressaltar as limitações desta agremiação na expectativa da construção exitosa de uma esquerda democrática influente em nossas terras. Além disso, pesa nos ombros do PT sua participação indireta no fortalecimento de uma cultura anti-republicana em setores progressistas da sociedade brasileira. 

A derrota de Bolsonaro não foi fruto de alguma explosão messiânica personalista. Ou seja, não foi apenas o carisma de Lula e a força do PT junto a grupos organizados da sociedade civil que impediu a renovação do mandato presidencial do agora candidato do PL. O triunfo democrático das eleições de 2022 tem a ver com uma ampla coalisão nacional em torno de valores civilizatórios que contaminam inteiros setores da sociedade brasileira. Se Aggio, como muito de nós, tinha a expectativa de uma terceira via democrática e reformista longe dos polos populistas (O populismo será tema de um dos seus mais belos ensaios presentes no livro), a constatação do PT como única possibilidade de salvação foi acolhida como fato consolidado e necessário. O centro democrático fracassou, na falta de projetos e estratégia, em uma lição a ser aprendida e entendida, hoje e no futuro.

O arcabouço teórico de Alberto Aggio é rico, mas se assenta especialmente em seu amplo conhecimento da obra formidável do pensador sardo Antonio Gramsci. As categorias conceituais gramscianas, que Aggio compartilha com autores excepcionais como Luiz Werneck Vianna, traz chave explicativa da nossa história e contribui para o resgate de um vigoroso e contemporâneo pensamento social brasileiro. A esquerda precisa pensar, entender o terreno que atua, mas atravessa uma crise perceptível, não só no campo acadêmico, como também na esfera da vida associativa brasileira. 

Por fim, cabe destacar os escritos de Aggio sobre o Chile, país do qual tem amplo conhecimento histórico. Seus textos nesta sessão abordam a via democrática da esquerda de Salvador Allende, sua interrupção com o golpe de 1973 até os novos acontecimentos do país sulamericano, seja com a polêmica constituinte ou a eleição do presidente Gabriel Boric.

Ainda respira chega em um momento de agitação editorial em torno da compreensível ansiedade pelo futuro de nossa democracia. Até porque, Bolsonaro foi derrotado, mas o bolsonarismo persiste, influenciando muita gente em torno de concepções que enfrentam nossas perspectivas quanto ao aprofundamento da democracia brasileira e de valores da civilidade cosmopolita. Trata-se de uma leitura necessária para todos os democratas que anseiam aprender com a história e agir pela consolidação e ampliação da esfera das liberdades institucionais duramente conseguidas e formalizadas na Carta cidadã de 1988.

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