O "declínio do Ocidente"

 


Por Adelson Vidal Alves 

Semyon Bagdasarov, membro federal da Duma da Rússia, disse a um canal de TV que Putin deveria invadir a Turquia, a fim de retomar o domínio cristão ortodoxo na região de Constantinopla. Segundo o deputado, Deus enviara catástrofes naturais ao país, sendo agora o momento de uma ocupação militar civilizacional. Óbvio que na prática isso não irá acontecer, visto que a Turquia pertence a OTAN. Putin é louco, mas não é tolo. Sabe que o debilitado exército russo mal consegue lidar com a Ucrânia. Como daria conta de enfrentar uma guerra contra a poderosa aliança militar do Ocidente? 

O autocrata russo já tem problemas demais. Além da guerra estar bem distante dos objetivos iniciais da invasão e o isolamento ser cada vez maior, o Tribunal Penal Internacional emitiu ordem de prisão para Putin, acusado de vários crimes de guerra, entre eles atingindo cerca de 16 mil crianças. Tudo bem que não dá pra imaginar Putin entrando em um camburão algemado, mas só o reconhecimento de uma instituição global dando parecer de crime ao que está acontecendo na Ucrânia já demonstra o que é a bárbarie russa em nossos tempos. 

A guerra de conquista operada pela Rússia tem objetivos geopolíticos pragmáticos, mas também está envolvida em motivações espirituais e culturais. Há no núcleo dirigente do país facções ultranacionistas que sonham uma restauração imperial do país, abençoada pelos céus na figura da Igreja ortodoxa. Os ucranianos, vistos como irmãos sem direito a uma nação, viram vítimas do delírio escatológico que vê uma missão messiânica contra o Ocidente em decadência, este símbolo do materialismo, do individualismo e da depravação. O liberalismo é o alvo principal do tradicionalismo russo e seu sonho de construir um tal mundo "multipolar".

A crise do Ocidente é evidente em vários aspectos. Há problemas no crescimento econômico, o Estado de direito e sua democracia estão sendo atingidos, há envelhecimento da população, a vida associativa e religiosa atravessa problemas. Os pilares do Ocidente estão abalados,  o mundo questiona seus supostos crimes históricos. Se a China cresce na economia sendo celebrada por muitos, apesar de ainda ser uma ditadura de perfil totalitário, a Europa é cercada pela patrulha identitária que vê nos brancos europeus a figura máxima da opressão e da violência. O multiculturalismo relativiza o sofrimento feminino nos governos islâmicos e a homofobia legalizada na África passa despercebida. Só o Ocidente deve penitência. A cultura ocidental e tudo que ela significa deve desaparecer. 

O Ocidente legou ao mundo valores e instituições universais, da democracia aos direitos humanos e a ciência. Ele formatou o mundo em que vivemos, onde a vida foi prolongada, a escravidão foi vencida, as vacinas destruiram pandemias e as guerras recuaram. Se não é o paraíso, trata-se de avanços civilizacionais promovidos pela doutrina das luzes e tudo que nasceu no terreno cultural e filosófico do Ocidente liberal democrático. 

Não há mocinhos na história. O mundo ocidental tem atrocidades a responder, e  ele responde, como nenhuma outra civilização respondeu. Nela estão as maiores autocríticas produzidas por alguém na história, e também o ambiente de liberdade por onde se estabelece os mais pacíficos debates sobre o futuro do planeta. Do Oriente, da esquerda identitária, do fundamentalismo islâmico, do marxismo anti-americano, do ultranacionalismo da extrema direita chegam os inimigos da cultura ocidental. A alegria por um suposto declínio dessa cultura é evidente no dia a dia dessa gente. Resta saber o que será do mundo quando o "império cair". O que virá depois? O tradicionalismo russo? O totalitarismo coletivista chinês? A teocracia islâmica? Os califados universais? 

Teremos então um mundo melhor? 

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