Defendendo o colonialismo

 


Por Adelson Vidal Alves

Bruce Guilley, então professor da Universidade Estadual de Portland, publicou em 2017 no prestigiado periódico Third World Quartely, artigo intitulado The case for colonialism, onde propunha um novo e amplo exame sobre o colonialismo ocidental. No ensaio, escreveu que  "Nos últimos cem anos, o colonialismo ocidental tem sido muito maltratado. É chegada a hora de contestar esta ortodoxia".  Ainda segundo Guilley "o colonialismo ocidental foi, em regra, tanto objectivamente benéfico como subjectivamente legítimo na maior parte dos lugares onde ocorreu". 

A reação ao texto foi barulhenta. Apesar do artigo ter passado pelo processo de revisão por pares, ele acabou provocando a renúncia de 15 dos 34 membros do Conselho editorial da revista. O autor foi ameaçado de morte, acusado de racista e a publicação rendeu censura e pedidos de desculpas. No entanto, retomou a discussão da liberdade de expressão no mundo acadêmico. 

Em Oxford, o professor Nigel Biggar propôs à Universidade um projeto de análise sobre a "ética do império". O acadêmico e teólogo anglicano entendeu que não bastava simplesmente demonizar o imperialismo britânico, fazendo-se necessária uma investigação sobre todo esse período histórico. A resposta à sua ideia também foi de cancelamento. Cerca de 50 intelectuais escreveram carta ao Times atacando a proposta de Biggar. Em outros momentos ele foi acusado de defender a restauração do império britânico. 

O colonialismo tem sido visto como unicamente um processo de violência e transferência de malefícios aos colonizados. Há uma interpretação maniqueísta da história, com a pureza de mocinhos e bandidos. Ninguém nega a brutalidade e agressividade muitas vezes presentes no segundo imperialismo ocidental do século XIX. Mas ele foi só isso? Nações colonizadas não colheram vantagens institucionais dos colonizadores? O investimento imperial nas colônias não trouxe ganhos estruturais e culturais aos nativos? 

Pode se afirmar que houve pilhagens e crueldades no imperialismo europeu. Mas antes da chegada das potências da Europa como era a vida desses países? Investiguem o passado das nações africanas e verão que as barbaridades do rei Leopoldo II não eram nenhuma novidade em meio a outras tantas atrocidades. No geral, é possível detectar que as colonizações puderam produzir ganhos na transferência de tecnologia, conhecimento e institucionalidade. Basta olhar a Índia. Isso justifica as maldades cometidas? De jeito nenhum. Mas é necessário compreender a dimensão dessa questão. 

Há quem diga que só mesmo europeus são capazes de defender o colonialismo. Isso não é verdade. O professor Gilley recebeu solidariedade e apoio de muitos cidadãos das antigas colônias britânicas. Mesmo um intelectual do tamanho de Chinua Achebe, romancista e considerado o pai da literatura nigeriana moderna, foi capaz de reconhecer os pontos positivos do imperialismo ocidental. Escreveu ele: "Os britânicos governaram sua colônia na Nigéria com cuidado considerável (...) Ninguém era consumido pelo medo de sequestro ou assalto a mão armada. Tinha-se muita confiança e fé nas instituições britânicas. Agora, tudo isso mudou".

Além de ser um tema do passado, o colonialismo é um debate do presente e do futuro. Afinal, me parece estar claro que a atual ordem global está caótica, e que a descolonização piorou a situação das antigas colônias. O mundo segue com regiões superdesenvolvidas vivendo uma vida próspera e de relativa estabilidade enquanto outra parte do globo pena miséria e guerra civil. Não seria o caso de discutirmos um novo colonialismo, capaz de auxiliar nações fracassadas no seu crescimento econômico e civilizacional? Uma nova ordem imperial não poderia ser uma possibilidade de recolocar a ordem em meio ao caos? 

O diplomata e ensaísta Robert Cooper é um dos que defendem novas formas de colonialismo. "Hoje, não existem poderes coloniais dispostos a assumir a tarefa, embora as oportunidades, e talvez até a necessidade de colonização seja tão grande quanto jamais foi no século XIX". Já o consagrado historiador escocês Nial Ferguson acha importante que o mundo seja dirigido por uma nação de vocação liberal, como os EUA. Escreve ele em Colosso: ascensão e queda do Império americano: "Na verdade, uma parte da minha tese é de que muitas partes do mundo se beneficiariam de um período de domínio americano". Para o escritor e pesquisador, muita gente poderia ser beneficiada por um império norte americano valorizador das liberdades e da economia de mercado.

Não se defende a reedição do colonialismo dos séculos passados, isso seria anacrônico. Anexações ou dominações involuntárias são inadmissíveis. Mas é necessário que se estabeleça um ambiente pacífico e livre para se falar do passado ou mesmo de um novo colonialismo. É uma questão de liberdade de expressão, sem que o sentimento de culpa e busca por eterna penitência vete o debate público nos ambientes universitários. O politicamente correto não tem o poder de anular a história e toda a sua complexidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os brancos cristãos escravizados por muçulmanos que a historiografia esqueceu

O identitarismo está construindo uma nova história do Brasil

VILA AMERICANA: POR QUE VOTO NA CHAPA 2