A guerra contra o Ocidente


Por Adelson Vidal Alves 


Estamos prestes a completar um ano de invasão russa na Ucrânia. O nível de agressividade imposto pelo exército do autocrata Vladimir Putin foi tão bárbaro e selvagem, que imaginou-se uma condenação internacional e consensual frente a uma guerra de conquista na Europa em pleno século XXI. De fato, o mundo democrático em geral aplicou sanções econômicas e está legalmente colaborando no arsenal de defesa ucraniano. Mas as ditaduras do mundo estão ao lado da guerra, cinicamente chamada de Operação Militar Especial. China e Belarus compõem um núcleo duro maléfico a colaborar com a maldade russa e seus inúmeros crimes de guerra. Na verdade, a invasão da Ucrânia tem motivações e aliados que se entendem na aversão à cultura ocidental. 

Vladimir Putin tem sonhos imperialistas. A nostalgia insana do ditador vai para a prática como esperança de restauração da Rússia Imperial dos tempos czaristas. Entre a elite russa circulam ideias ultranacionistas e messiânicas, tal como o eurasianismo de Alexander Dugin, um dos principais teóricos da guerra. Para o possível guru de Putin, a Ucrânia é palco de uma batalha escatológica, onde o exército anti-Ocidente luta pela reorganização multipolar do mundo, contra a hegemonia americana. Trataria-se de uma guerra espiritual contra a perversidade demoníaca da democracia liberal, sendo a tradição a vencer o progressismo pervertido, materialista e imoral da cultura ocidental.

Mas se engana quem acha que apenas esotéricos e espiritualistas reacionários apoiam Putin. No seio da esquerda ocidental cultiva-se uma patológica mentalidade antiamericana, capaz de olhar com bons olhos o retorno do Talibã ao Afeganistão e até relativizar atentados terroristas na Europa e nos EUA. Essa doença esquerdista vê na Rússia a oportunidade de humilhação e destruição da hegemonia ocidental. 

O Ocidente historicamente está longe de ser um santo, mas é fato que nenhuma cultura fez mais autocrítica que a cultura ocidental. Seus maiores críticos, inclusive, vem de dentro, desde o nazista Martin Heidegger até o comunista Friedrich Engels. O francês Michel Foucault teve êxtase com a revolução iraniana de 1979. O regime tirano fundamentalista que perseguiria gays, como o próprio Foucault era, foi saudado como sendo um triunfo redentor contra a modernidade. 

A crítica à história ocidental tem sua razão de ser, afinal, ninguém discorda que colonialismo europeu cometeu crimes terríveis . No entanto, devemos lembrar que o próprio processo de descolonização acompanhou às ideias ocidentais. O iluminismo ofereceu a defesa da liberdade a várias rebeliões de libertação. Foi no seio do Ocidente, ainda, que se desenvolveu a ciência, a medicina, a democracia e o Estado de direito. Se houve atrocidades no imperialismo britânico, devemos registrar que a expansão do governo representativo significou a inclusão de parte do mundo à institucionalidade de maior sucesso na história. 

Veio também do Ocidente os direitos humanos. Cerca de 38 dos 54 países africanos tem leis cruéis contra homossexuais. Quantos temos na Europa? Isso, obviamente, não minimiza as violações desumanas operadas pelo Ocidente ainda hoje, basta ver Guântanamo para sabermos que nossa civilização não é totalmente justa e benevolente. Mas chama a atenção para o fato de que as acusações geralmente caem aqui com muito mais rigor. Por onde andam as críticas ao tratamento dispensado às mulheres nas teocracias islâmicas? E na África quem comenta a cultura de mutilação feminina? Quem denuncia uma prática na África de aideticos transarem com virgens supondo poderem assim adquirirem a cura da doença? O silêncio de muitos repousa no relativismo cultural, segundo o qual não há hierarquia entre as culturas. Não haveria nada a se comparar entre sociedades democráticas que inscrevem em suas constituições o respeito pela diversidade, com tribos indígenas que promovem infanticídio e países africanos que cultivam ditaduras homofóbicas. 

Voltando à guerra na Ucrânia, é perceptível a dificuldade russa de sucesso total. A ideia de uma vitoria  rápida e triunfante sobre Kiev nem de longe se concretizou. A resistência ucraniana é heroica, e o isolamento da Rússia é significativo. Os crimes cometidos por Putin, de ataques a hospitais a campos de concentração, serão julgados, se não for pelos tribunais internacionais será pela história. O que temos hoje no Leste europeu é mais que briga por território e recursos naturais. Há um conflito de civilizações, de ideias e cultura. É uma guerra contra o Ocidente. Mais uma.


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