Ideias de alguns liberais que considero equivocadas



 Por Adelson Vidal Alves 

"Quando se toma um táxi em uma rua de Londres, é surpreendente observar com quanta frequência a porta é aberta por um homem que espera ganhar algo por seus problemas", escreveu Herbert Spencer em O individuo contra o Estado. Segue ele: "A surpresa diminui, se virmos o grande número dos que estão ao redor dos botequins (...) Elas são pessoas simplesmente boas para nada, que de algum modo ou de outro vivem de algumas coisas que encontram -vagabundos e vadios". Essas duras palavras vieram do autor que emprestou a Charles Darwin a frase "Os mais aptos sobrevivem".

Darwin e Spencer eram liberais. Adrian Desmond e James Moore, dois dos mais interessados biógrafos do naturalista inglês, o entenderam como alguém que defendia o "individualismo competitivo" e "odiava o socialismo". De fato, Darwin organizou seu pensamento dentro de seu tempo, com a influência malthusiana de que os seres vivos competiam pelos recursos escassos, no qual os mais preparados triunfavam. Adepto das visões raciais do momento, o autor de A origem das espécies esperava ver a natureza aperfeiçoar nossa espécie eliminando os grupos inferiores. Chegou-se ao ponto de compreender o colonialismo como um instrumento progressista de melhoramento do Homo Sapiens 

Bernard Mandeville foi um filósofo e escritor nascido na Holanda, mas que passou parte de sua vida na Inglaterra.  Ao falar de egoísmo em seu Ensaio sobre caridade e as escolas de caridade Mandeville disse que "os homens são tão apegados às sua posses e seu egoísmo está tão cravado em nossa natureza que quem quer que consiga de algum modo dominá-lo terá o aplauso do público". Esse autor é conhecido pelo seu texto A fábula das abelhas ou vícios privados, benefícios públicos, panfleto que conta a história de uma colméia próspera que abandonou seus vícios e viu seu progresso ser interrompido. 


"A doce natureza, livre da força das jardineiras,

 Concede a todos os frutos seguindo seu próprio curso

Mas, não há mais iguarias 

Uma vez que os esforços não são mais pagos"


A moral:

"Deixem então de se lamentar: apenas os tolos se esforçam para tornar honesta uma grande colmeia. Para se gozar das comodidades do mundo (...) Sem grandes vícios, é uma vã Utopia, inculcada no cérebro". 

Mandeville foi precursor de outro grande moralista, o escocês Adam Smith, que em A riqueza das nações compreendeu que o bem estar social se concretiza não pela benevolência altruísta, mas pelo interesse pessoal de cada um dos entes econômicos, operando através da "mão invisível do mercado".

A discussão sobre o egoísmo ganhou destaque na obra da filósofa objetivista Ayn Rand. Nela, o indivíduo se transforma em um fim em si mesmo, sendo ético que o autor de uma ação seja o recompensado pelos seus atos, não outras pessoas. Ninguém é obrigado ao autosacrificio por alguém, como defendem os altruístas. Nenhuma sociedade sequer pode ser responsabilizada pela sorte dos mais pobres. "Apenas indivíduos tem o direito de decidir quando, ou se, desejam ajudar a outros: a sociedade - como um sistema político organizado - não tem direitos na questão", escreveu Rand. 

O evolucionismo, o egoísmo, o individualismo e a radicalização da ideia de liberdade produziu teses antiquadas e insensíveis mesmo nos nossos tempos, incapazes de compreender a necessidade de flexibilizações conceituais na medida em que a realidade se apresenta complexa. Social-liberal que sou, me incomoda que ideias antiquadas e radicais sejam defendidas com tanto dogmatismo, principalmente em países como o Brasil, onde o egoísmo e o individualismo tem assumido versões desumanas, incapazes de se sensibilizar com tanta miséria e desigualdade. Em nome da liberdade e dos direitos individuais, há quem tente ignorar que uma sociedade só faz sentido existir para que cuidemos um dos outros. O cuidado é a fraternidade, o principal lema revolucionário francês. 


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