Cinquenta anos de um livro que mantém vivo o debate sobre história e linguagem

 


Por Adelson Vidal Alves 

No século XVIII, a historiografia iluminista envolveu o tempo histórico nas suas perspectivas de progresso. Seu otimismo operado a partir do racionalismo, guia toda a sua narrativa histórica, incapaz, a seu próprio ver, de revelar precisamente o "reino dos fatos". A descrição da história, assim, se dá em meio à fantasia, sátira e ironia. No século XIX, autores diversificados como Leopold Von Ranke, Jules Michelet, Hegel e Karl Marx, irão trazer novas questões no que toca à teoria da história. Nesta trilha segue Hayden White em sua obra que completa esse ano meio século de existência. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX  foi publicada originalmente em 1973 e desde então provoca calorosos debates sobre a relação da história como ciência e o seu relato.

Hayden V. White nasceu em 12 de Julho de 1928, nos Estados Unidos, sendo um dos principais nomes da chamada "virada linguística". Sua principal contribuição acadêmica se deu na grande discussão sobre o trabalho historiográfico e a construção da narrativa. Ele quebrou a visão de que o relato histórico se move pela via neutra da linguagem, em absoluta imparcialidade científica. O resultado da pesquisa histórica desembocaria em uma escrita permeada de elementos literários e ficcionais. 

A grande discussão, então imposta, é sobre a relação do texto histórico com o passado e sua capacidade de revelação no presente. Seriam tais textos apenas fruto da imaginação profissional do historiador? Ou seria ele a retomada impecável do passado ao presente em letras fidelíssimas aos fatos que se deram? Ou será possível combinar a apreensão do passado com adaptações de linguagem de olho na melhor representação do passado para os leitores de hoje? 

Roger Sartier em seu belo ensaio A história, entre o relato e o conhecimento,  traz a discussão da retórica na história em direção a outros teóricos como Paul Veyne e Michel de Certeau. O debate gira em torno do conhecimento feito com provas e sua consequente narrativa. Pela perspetiva aristotélica, alerta Sartier usando Ginzburg, não há contradição entre prova e relato, contrariando Certeau, que classifica como "paradoxo" e "antinomia" a coexistência do real e o discurso.

Meta-história trabalha o percurso do debate historiográfico a partir dos iluministas e se firma na questão da consciência histórica do século XIX, analisando autores como o romântico da revolução francesa, Jules Michelet, passando pelo fundador da ciência histórica Leopold Von Ranke. Este que pensava a igreja e o Estado como instituições de Deus na canalização do desvirtuamento humano até a benevolência. Há análises ainda sobre a historiografia de Tocquevile, Croce e Marx. O trabalho de White é um grande diálogo crítico percorrendo a formação da teoria da história. 

A tese do nosso autor, que aproxima a narrativa histórica do mito e da ficção, se insere no contexto do avanço pós-moderno da negação de uma verdade estabelecida. Para muitos, isso significa o total afastamento do conhecimento científico historiográfico da expectativa do conhecimento de um passado real pelo caminho da escrita. Nos faz bem lembrar White das visões sobre uma história "fabulosa" e outra "verídica". 

A cientificidade da história se confirma, mas não nos termos das ciências da natureza, incapaz assim de criar leis e regularidade no comportamento dos homens. A busca por objetividade existe no trabalho historiográfico e seu método, mas se apresenta com uma narrativa munida de elementos literários e linguísticos. E por que não há de ser? 

White nos ensinou que a linguagem ficcional não é sinônimo de mentira ou invenção, mas uma ponte do passado até a compreensão contemporânea do que aconteceu e a localização  histórica do observador e seu entendimento do lugar que ocupa no mundo. Não existe necessariamente contradição entre o conhecer e o narrar. Como disse Ginzburg: "o conhecimento histórico é possível". 


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