Chamar os vândalos que quebraram Brasília de terroristas é um erro conceitual e jurídico


Por Adelson Vidal Alves 

O grande Ariano Suassuna certa vez leu uma crítica no jornal que tratava o guitarrista do Calypso, Chimbinha, como "gênio". Em palestra, comentando o assunto, ele disse: "se eu tratar Chimbinha como gênio, que palavra sobra para eu tratar o Mozart?". 

A banalização dos termos políticos tem sido um erro constante da esquerda. Chamar todo mundo de fascista, criticar Bolsonaro como genocida são hipérboles compreensíveis em certos momentos e ambientes, mas não podem haver sistematização por pessoas do poder institucional e até mesmo na imprensa. Representantes dos poderes da República usaram o termo "terrorista" para classificar os golpistas do dia 8, mas tal conceito não cabe, nem no nosso direito nem na maioria das conceituações políticas da academia. 

O terrorismo é uma estratégia utilizada por forças em desvantagem na luta por uma causa. Como não podem enfrentar de frente aparatos militares mais poderosos, o recurso do terror é utilizado. Os atentados terroristas geralmente fazem poucas vítimas, se comparando a outras formas de beligerância. O que importa, para eles, é o pavor que irá causar nas mentes e corações. Quando um grupo separatista explode um metrô e mata duas pessoas em uma capital europeia o que mais importa para esse grupo são as pessoas aterrorizadas com medo de voltar a usar o transporte coletivo e até de sair de casa. Isso é terrorismo. 

Em Brasília, a horda de loucos fanáticos que causaram destruição são vândalos, destruidores do patrimônio público e até ladrões. Terroristas, numa perspectiva conceitual, não são. Mas e quanto a lei antiterrorismo aprovada no Brasil?

A esquerda brasileira temeu a criação dessa lei, feitas sob encomenda para criminalizar movimentos sociais mais radicais. Uma legislação pode atropelar precisões conceituais das ciências, como parece ter acontecido aqui. Mas nem assim há espaço para classificar os golpistas de terroristas. Na lei, podemos ler: 

"O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública".

No conjunto da obra, nem mesmo a nova lei brasileira alcançará alguns desses arruaceiros. Até mesmo para fins de agilidade penal, melhor que Justiça não recorra a tais conceitos. Isso poderá ajudar os golpistas. 

No campo da teoria política, o terrorismo tem até teóricos e defensores. O teólogo Leonardo Boff trata o terror como a "guerra dos mais fracos" e o filósofo Slavo Zizek tem se feito perceber por sua tentativa de legítimar o terrorismo como arma revolucionária. 

Tomar cuidado nas rotulações não é só questão de fidelidade conceitual, mas também de estratégia jurídica. Lula chamou Bolsonaro de genocida, mas sabe que nenhum tribunal internacional condenaria o ex-presidente por esse crime. Os petistas chamaram os defensores do impeachment de Dilma de golpistas, e hoje usam o mesmo rótulo para a multidão bolsonarista em Brasília. É o que acontece quando a linguagem é banalizada. Chamaram Chimbinha de gênio, o que sobra para Mozart? Chamaram toda essa gente de terrorista, o que sobra para o Talibã?

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