Globalização oferece vantagens e é caminho progressista irreversível


Por Adelson Vidal Alves 

Há pontos positivos nos Estados nacionais. Nas sociedades tribais, os vínculos de confiança se dão pelo parentesco e o poder é centralizado e exercido por um chefe sem qualquer traço de impessoalidade. A nação, mesmo sendo uma "comunidade imaginada", para usar o termo de Benedict Anderson, constrói laços relacionais entre desconhecidos, unidos pelo pertencimento comum ao grupo que se estabelece em delimitações territoriais. Neste espaço constrói-se uma identidade nacional, onde a vivência social é compartilhada pela língua, cultura e pelas leis que devem ser cumpridas por todos. 

Roger Scruton, grande filósofo conservador, fez uma interessante diferenciação entre patriotismo e nacionalismo. O primeiro é o apreço pela pátria, o amor ao lar e tudo que ele representa. Nacionalismos levam à beligerância, símbolos nacionais são instrumentalizados pela violência e usados para o conflito. Scruton lembra, ainda, que a formação dos Estados-nações e seu novo sentido de pertencimento interrompeu as guerras religiosas. A nação é a casa comum, o lugar de repouso de um povo e sua cultura. 

Quando aconteceu o brexit (referendo britânico sobre o desligamento com a União Europeia) foi reacendido o debate sobre a soberania nacional. A decisão pela saída dos britânicos do bloco demonstrou, em parte, o temor de alguns em perder seu modo de vida. Muita gente se surpreendeu com o resultado da votação, haja vista que a globalização parecia ser um processo em ampliação sem recuos, com a consolidação da mentalidade cosmopolita contra os sentimentos nacionais e patrióticos. 

O inicio do processo de globalização pode ser detectado em vários pontos históricos. Alguns enxergam esse marco inicial nas grandes navegações marítimas do século XVI, quando a Europa estende relacoes com o "Novo mundo"; outros preferem falar no século XX, particularmente no segundo pós-guerra. O que marca esse fenômeno, comece onde começar, é a consolidação de uma ligação internacional profunda das relações humanas, seja na economia, na política ou na cultura. 

A globalização tem amigos e inimigos, na esquerda e na direita. Pela esquerda,  no marxismo, há a percepção de que é preciso construir uma aliança de classe internacionalista, para além das barreiras nacionais. Os liberais também querem um mundo mundializado, mas para atender a liberdade dos mercados. Opositores existem. A esquerda nacionalista defende o protecionismo estatal, e o nacionalismo de direita se assenta no conservadorismo, os mais fanáticos denunciando um tal "globalismo" 

O mundo globalizado é uma tendência progressista irresistivel, apesar da resistência persistente vinda dos sentimentos comunitários e nacionais. É que a conexão planetária da economia e do intercâmbio cultural já detectada há décadas ganhou reforço com a internet. O mundo vira uma aldeia diante do teclado, transações comerciais são feitas entre países em questões de minutos. A comunicação rápida facilita a vida de todos, e é improvável que queiramos deixar esse conforto. Além disso, aspectos práticos de obtenção de conhecimento salvam vidas. A pandemia de Covid-19 poderia ter sido decretada ainda mais tarde, caso a troca de informações fosse feita nos moldes antigos. O próprio enfrentamento da peste seria mais ineficiente sem uma conversa internacional sobre a gravidade do virus e as vacinas. 

No campo econômico venceram as nações que mais se integraram à globalização dos mercados, que operaram abertura comercial ao invés de protecionismo. A economia feita global produziu rápida prosperidade para quem acatou ao mercado livre, como fez a China. Países isolados e sem interlocução com as inovações e relações comerciais sofrem pobreza e atraso tecnológico. 

Na cultura há um diálogo capaz de quebrar elementos anti-civilizatórios presentes em várias regiões do planeta. A globalização é a internacionalização dos direitos humanos, é a capacidade de organismos mundiais trabalharem na cooperação planetária pela paz e a dignidade humana. Um mundo fragmentado e de múltiplas e antagônicas identidades promove guerras, xenofobia, conflitos étnicos e ódios raciais. Um lugar onde a principal referência seja o ser humano tem muita chance de dar certo.

Há problemas, claro. A total desregulamentação financeira pode prejudicar os mais fracos e criar elites bilionárias sem controle, a migração sem freios e critérios cria problemas e conflitos. Enfim, a desigualdade ameaça o sucesso de uma globalização humanitária. No entanto, apostar no sucesso de um mundo sem marcar territorios é uma aposta progressista que vale a pena. Até porque, a globalização é um caminho sem volta.


* O blog entra em recesso. Voltamos em Janeiro. Boas festas!

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