Ficar bonzinho no natal é tão falso quanto quem diz gostar de uva passas no arroz

 


Por Adelson Vidal Alves 

Estou convencido que quem come uva passas no arroz o faz por alguma exibição de resistência ou está simplesmente reproduzindo alguma moda. As uvas passas são simplesmente uvas desidratadas e com semblante seco e envelhecido . É feia no formato, ruim no gosto. Colocada no arroz ela destrói uma refeição inteira. Nem mesmo meu espírito democrático defensor de liberdades individuais consegue fazer concessão para o direito de se oferecer tamanho absurdo a convidados numa ceia de natal. 

Falando em natal, me lembrei de Oliver, meu colega americano que conheci em um encontro de teólogos que participei há 15 anos atrás. Eu não era e nem sou teólogo, mas flertava com a graduação. No encontro, às vésperas de Natal, os palestrantes do evento falavam sobre o espírito natalino, a necessidade de se abrir para a dimensão fraternal e solidária que desperta a data. "É preciso perdoar nesse momento", disse alguém. "O nascimento de Jesus nos provoca a promover a partilha" disse outro. Tudo lindo demais, até Oliver reclamar: "É tudo hipocrisia".

Meu colega americano tem uma tese ousada sobre tais comportamentos: quem ama e perdoa por causa de uma data não o faz esponteamente, o faz forçado por uma tradição, e isso é hipocrisia. Faz sentido. 

Hoje pela manhã, lendo o jornal, vi que o presidente Bolsonaro deu indulto de natal aos PMs assassinos da tenebrosa chacina do Carandiru. O nascimento do Cristo deu a governantes inescrupulosos como o nosso o direito de salvar canalhas como os monstros que atuaram na chacina penitenciária. Não é um perdão coletivo, é um favor concedido de uma pessoa a quem ela tem afinidades. No caso, nosso presidente comunga com assassinatos ilegais de quem considera ser párias da sociedade. 

Voltando a tese de Oliver, nada mais anticristão do que perdão ou altruísmo forçado. Nos evangelhos, Jesus perdoa sem pedir nada em troca, como quando ele mesmo intervém junto a Deus pelo perdão daqueles que agem sem saber do que estão fazendo. Voluntariamente ele compreende a ignorância deles e pede anistia divina. Mesmo o ladrão na cruz ao seu lado foi perdoado de forma incondicional, ganhando a condição de salvo. 

Oliver trouxe outro exemplo bíblico. Ele lembrou o caso de Barrabás. O bandido ganhou liberdade por aclamação popular, depois da condenação do Cristo. O perdão ao criminoso acompanhou uma tradição, uma imposição legal ao invés da espontaneidade cristã. Quando perdoamos porque o espírito natalino exige, agimos com a hipocrisia romana, arrematou meu amigo. 


Tá certo que freios involuntários tem suas vantagens. Quando religiões apelam por caridade, por exemplo, obrigam pessoas a dar comida aos famintos. Para quem tem fome, não importa se a comida que veio chega por compaixão voluntária ou por obrigação religiosa, o importante é comer. A desvantagem é que quando fazemos algo obrigado, fazemos mal feito, não pelo prazer da benevolência. O altruísmo natalino é isso, promove bondades artificiais, que não constroem pessoas melhores, apenas gente hipócrita. É tão falso quanto quem diz gostar de uva passas no arroz.

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