Deus me livre ser homem, branco e heterossexual

 Por Adelson Vidal Alves


O cantor Fiuk, quando participava de um reality show da TV Globo, pediu desculpas aos prantos por ser branco, homem e hétero. O filho de Fabio Jr não é um bocó retardado (pelo menos não só isso) tendo surtos sem sentido, ele foi capturado pela psicologia identitarista. Deixe-me explicar melhor. O identitarismo é um movimento político-ideológico que trabalha sistematicamente pela divisão dos humanos em identidades fragmentárias de gênero, raça e orientação sexual. Em seu discurso, homens brancos heterossexuais são parte de uma classe universal opressora e privilegiada. Sua condição é definitiva, e por isso devem peregrinar a história em eterna penitência por suas vantagens.

O identitarismo se sustenta em duas bases fundamentais: mentira e vitimização. Sem isso, o identitarista não se sustenta em dois minutos de conversa.Usam de tais artimanhas, por exemplo, quando dizem que o Brasil é um país de maioria negra. Na verdade, nosso país é pura mestiçagem, fruto de uma escolha histórica pela mistura sem interferência institucional/legal. Não faz sentido dividir os brasileiros em raça, mas  isso acontece com o IBGE. Certa vez, respondendo ao questionário do Censo, me declarei pardo, a definição de quem se sente parte de uma identidade mestiça na biologia e na cultura. No entanto, tenho ciência que minha declaração não vale de nada. Na mesa dos burocratas do instituto me tornarei um negro, já que há algum tempo importamos dos EUA o binarismo racial. Aqui não tem mistura, ou se é branco ou se é negro.

Pessoas de pele preta sofrem racismo, e isso é indiscutível. Mas também é verdade que muitos mulatos (o termo é controverso, eu sei) que jamais experimentaram uma blitz policial e  nunca foram acompanhados com o olhar desconfiado do segurança do shopping assumem uma delirante identidade africana, dizendo compartilhar as mesmas dores de uma raça. Brasileiros nascidos no Brasil se dizem parte de uma nação diaspórica, alguns até mudam o cabelo, trocam de religião. Tudo para encontrarem sua “ancestralidade”, que está lá na África, esta não vista mais como um continente pluralmente cultural, mas como a mãe racial dos negros.

Ao fazerem a conversão racial, tornando-se neonegros, se dão direito de reclamarem vantagens reparatórias e condição inegociável de oprimido. Passam a pedir cotas em universidades, alegam poderem atacar os brancos, pois racismo por parte dos negros não existe. Em uma discussão, podem até te agredir, e se forem agredidos, se dizem vítimas de algum tipo de preconceito, e ai de quem não concordar, serão igualmente condenados na inquisição identitária. Para falar de racismo, machismo e homofobia só sendo negro, mulher e gay. O tal lugar de fala (melhor seria lugar de cale-se, como escreveu a psicanalista Maria Rita Kehl) cria um monopólio do discurso onde brancos e heteros como Fiuk devem calar a boca.

Na Índia, na intenção de reparar as vítimas do perverso sistema de castas hindu, foram empregadas políticas públicas destinadas aos dalits, por anos tratados com intocáveis e parte inferior da sociedade indiana. No intuito de abocanhar vantagens, não faltaram pessoas pedindo mudança no seu status, optando por rebaixamento de identidade, mas benefício nas políticas de governo. No Brasil, mesmo sem jamais termos oficializado hierarquia nas raças, também há quem tente entrar nas cotas raciais, mesmo quando a pele é clara. Fica tudo nas mãos dos tribunais raciais, que dão as sentenças definidoras de quem tem ou não direito de se dizer oprimido. Não faltam absurdos nesses julgamentos.

No Brasil identitarista dos nossos tempos, a definição de raça, gênero e sexo faz muita diferença em nossas vidas. E não falo apenas dos inegáveis e condenáveis casos de racismo, homofobia e machismo que indiscutivelmente assolam nosso país. Falo de quando se estabelece um maniqueísmo estúpido entre opressores e oprimidos. Ser branco, macho e hétero é ser jogado no meio dos malvadões, condenado a assumir tal situação e eternamente pedir perdão por suas vantagens. No fim, não falta gente que, assumindo o complexo de culpa, acaba por se subordinar ao mandonismo identitário. Se autodeclaram potenciais racistas, machistas e estupradores, como se estivesse no seu DNA a condição de opressor. Sua única salvação é assumir a perpétua penitencia pelos crimes dos seus demoníacos ancestrais. Devem se calar e aceitar a punição pelo seu histórico de maldades, e também por sua condição privilegiada.

Em um Brasil assim, Deus me livre ser homem, branco e hétero.

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